Valdeck Almeida de Jesus entrevista Wellington Andrade
(Foto: Marccelus Bragg, Wellington Andrade e Valdeck Almeida)
O cenário LGBT brasileiro é diverso, composto de ongs, pessoas comuns, órgãos públicos, gente contra e a favor, jornalistas e profissionais diversos. Uma das pessoas que mais se destaca, entretanto, é o Wellington, militante convicto, defensor das causas sociais e ferrenho ativista homossexual. Sempre à frente do seu tempo, sempre na vanguarda, este homem é um exemplo de vida e sua vida inteira é dedicada àquilo que ele acredita: a vida humana, a dignidade e o respeito à diferença. Ele me concedeu esta entrevista exclusiva antes da 3ª Parada Gay de São Sebastião do Passe/BA, ocorrida no último dia 03 de agosto.
1) Quem é o Wellington Andrade?
Well Andrade é uma pessoa trabalhadora, inteligente, que paga os seus impostos em dia, foi militante de grêmio estudantis, político e hoje militante pelas causas e direitos dos LGBTs;
2) Onde nasceu?
Nasci em Aracaju, Estado de Sergipe.
3) Como descobriu sua sexualidade?
Quando eu era pequeno já vinha olhando, pesquisando, matando a minha curiosidade nas pernas dos homens e nesta época eu já pegava o meu vizinho. Nós roçávamos e tínhamos direito em fazer tudo igual por igual; aos treze anos de idade tive a minha primeira experiência de transar sexo anal com o filho do Pastor da Igreja à qual eu freqüentava nesta época; e logo após o quartel fundei os jornais Lampião da Esquina e Journal Gay Internacional em Aracaju, no Diretório Central dos Estudantes (DCE/UFS) no Centro Comercial onde levamos os shows da Bahia de transformistas de Karine Bergman e Suzana Vermont nos anos de 1979 e 1980.
Em 1981 fundei o segundo grupo mais antigo do Brasil o extinto grupo Dialogay de Sergipe, em 1983 lançamos a Campanha nacional de combate a AIDS no antigo Hotel Palace de Aracaju com as presenças de representantes da BENFAM e artistas convidados do sul do País. Promovemos várias Campanhas de Combate a AIDS nos carnavais, nas praças, hotéis, motéis, praias etc...
Hoje sou fundador e Presidente de Honra do movimento pelos Direitos Humanos LGBTs e pessoas vivendo com HIV/AIDS em Aracaju/SE, há 28 anos; segundo militante pela Diversidade LGBTs mais antigo do Brasil e fundador e Coordenador do Grupo ADAMOR - Associação em Defesa do Amor entre iguais de São Sebastião do Passé/BA, onde abrimos a temporada de Paradas Gays da Bahia.
4) Foi fácil a descoberta? Sua família apoiou ou teve problemas? Quem foi mais tolerante o seu pai ou sua mãe?
Não, essa descoberta foi muito difícil, quando apanhei muito, fui ameaçado de morte, de surras por várias vezes, mas não me intimidei, fui a frente, cheguei onde estou graças a Deus. Venci muitas batalhas, muitas guerras, preconceito, discriminações, vitórias, vitórias e mais vitórias. Uma das vitórias que consegui, juntamente com a OAB e Secretaria de Segurança Pública, foi que a Delegacia da Mulher atendesse casos de queixa-crime contra os homossexuais; consegui que o código 93.0 fosse retirado do Inamps, que rotulava que os homossexuais tinham um desvio e transtorno sexual; uma outra graça foi a inauguração da Rua 28 de junho com a presença dos jurados de televisão Elke Maravilha e Leão Lôbo e bandas musicais. Foi a primeira Delegacia e Rua do Brasil que conseguimos em Aracaju.
A minha família de maneira nenhuma apoiou, fui muito discriminado, perseguido de louco, viado, pederasta, apanhei muito, levei muita surra, pedrada, casca de laranja, ovo podre na cara e enfim só vinha coisa ruim pra mim. Chorei muito e ainda choro por qualquer violência de pessoas homofóbicas. Minha mãe e a minha avó fooram mais tolerantes comigo, sempre se preocupavam com tudo de ruim que acontecia comigo e hoje não tenho nem pai, nem mãe, nem avô e só irmãos e irmãs. Hoje eles me tratam como se nada tivesse acontecido, mas eu deixo levar isso pra frente porque temos que perdoar tudo de ruim que aconteceu ou mesmo acontece em nossas vidas. Devemos, sim, perdoar a todos e todas e não continuar nos erros.
5) Como e por que começou sua luta pelos direitos dos LGBTS?
A minha luta começou quando eu fundei estes jornais acima citados, me interessei muito. No ano de 1981 o prof. e Dr. Luiz Mott estava em Aracaju a minha procura, porque nestes jornais tinham os meus contatos. Mott queria saber se eu não queria fundar um grupo homossexual. Fiquei alegre e felize em ter esta pessoa ao nosso lado. Fiquei super interessado e feliz com a idéia de termos um grupo LGBTs naquela época para cuidar, orientar, promover palestras, debates, shows e brincadeiras com homossexuais. Desde então esta pessoa militante (Luiz Mott), com quase a 30 anos de luta sempre nos deu uma maior força, colaborou conosco em todos os nosso eventos culturais, educacionais etc, tudo dentro do possível. Pagou por várias vezes a nossa Caixa Postal do Correio e até hoje tem nos dado apoio. Eu não posso ficar parado, sou sempre sempre agitado, trabalhando humanamente e voluntariamente com estas pessoas LGBTs e hoje a coisa está muito mais difícil. Naquela época era bem melhor e mais fácil de lutar porque hoje tudo é só por interesses.
6) Você mantém um relacionamento fixo ou ainda está solteiro? Por quê?
Eu mantinha um relacionamento fixo aqui no Município há dois anos, cheguei até noivar, mas é muito difícil ter um relacionamento fixo, é problema. Hoje estou solteiro e quando Deus me mostrar uma boa pessoa com dignidade e que possa me respeitar de ambas as partes, aí sim, terei um relacionamento fixo. É tão difícil uma convivência a dois, são muitos problemas que acontecem, fazem muitas coisas erradas por trás, é muito complicado.
7) Quais os cargos e postos ocupados durante sua vida?
Você pergunta cargos e postos profissionais? Pois bem, atendente, auxiliar de escritório, operador de xerox, telefonista, balconista, relações humanas, comunicação e hoje auxiliar técnico administrativo.
8) O que você diria a um homofóbico?
Para uma pessoa homofóbica, simplesmente diria: nunca cuspa pra cima, nunca apare o sol com a peneira, porque você um dia pode ser pai. Já olhou para a sua família? Dentro de você pode ter alguma coisa preta que você ainda não descobriu. Você ainda está escondido dentro de si mesmo e você precisa se descobrir. Veja se não tem algum problema que está te atrapalhando, se olhe no espelho... etc e tal...
9) Você morara em Aracaju. Por que se mudou para São Sebastião do Passé?
Moro sim em Aracaju. Sou bastante conhecido em meu Estado pelo meu belo e brilhante trabalho que desenvolvo há 28 anos em defesa dos direitos humanos LGBTs. Vim para a Bahia, mais precisamente para São Sebastião do Passe, porque fui transferido pela Empresa onde trabalho atualmente. Eu não queria de maneira nenhuma sair do meu Estado de origem, chorei muito pra não ir embora, mas o nosso Deus sabe muito bem o que faz por cada um de nós. E hoje já são 04 anos, sou bem querido, bem aceito por todos e amigas. Eu respeito para ser respeitado. Fundei este grupo em homenagem ao um grande amigo meu, militante LGBTs do Amazonas, por nome de ADAMOR GUEDES. Ele foi assassinado barbaramente por garotos de programas. Em homenagem a este jovem, decidimos em reunião, a maioria aceitou por unanimidade da escolha do nome ADAMOR - Associação em Defesa do Amor entre iguais de São Sebastião do Passé/BA. Neste Município já promovemos, logo após minha chegada, uma caminhada contra a violência aos homossexuais. Aqui houve um crime bárbaro: dois jovens irmãos mataram e colocaram o corpo dentro do tonel. Foi feito um buraco debaixo da cama e enterraram o tonel com o corpo deste rapaz “G”. O crime só foi descoberto quatro meses após e o corpo estava já em estado de putrefação. A partir daí é que promovemos uma caminhada contra a violência pelas ruas principais deste Município. Graças a este movimento que os dois rapazes irmãos estão presos.
10) Há quanto tempo mora no interior?
Em outubro vai fazer 04 meses onde sou bem querido, bem amado, bem aceito, bem respeitado por todos e todas de todas as classes sociais.
11) Qual a diferença de estilo de vida da capital para a nova cidade?
Bom, o estilo de vida da Capital para o interior, não vejo quase nenhuma diferença, o único motivo da Capital é o barulho, violência, um corre-corre, e no interior é o maior silêncio, calmaria, muita amizade e respeito.
12) No interior a homofobia é maior que na capital?
Bom, a homofobia eu não acho que é mais no interior do que na Capital. Existem aquelas pessoas recalcadas que se acham homofóbicas. Mas a maioria “faz” que é uma beleza. Mas eles têm raiva de que é 100% assumido, no entanto, por debaixo dos panos, todos “fazem”. Isso é acontece em qualquer cidade do interior, seja da Bahia, Sergipe, Pernambuco e etc e tal...
13) Como você combate a discriminação no dia-a-dia?
É fácil, sim, combater a discriminação. Por exemplo: as pessoas se conversam entre si sobre os casos que acontecem diariamente na sociedade do Brasil sobre casais gays, beijos nas novelas e etc... Aí tem sempre uma pessoa que é “engraçada” e que quer deturpar os trabalhadores homossexuais. Quando estou presente, o tom da conversa muda. Claro que na minha ausência as pessoas podem falar de outra forma, mas na minha presença eu combato a discriminação através do diálogo, do esclarecimento. Nós militantes temos que saber dialogar, temos que ter assuntos, temos que estar atentos a tudo e aproveitar cada oportunidade para falar com clareza e exigir respeito. Se for preciso chamar a polícia, eu chamo; se for preciso procurar o grupo gay para e até a delegacia, eu procuro. Vou ai fórum, à OAB, onde precisar para defender os meus direitos de ser do jeito que sou.
14) Por que você promove a Parada Gay de São Sebastião do Passé?
Como já te respondi acima, eu promovo não só a parada pela Diversidade. O trabalho que eu desenvolvia humanamente, voluntariamente com muita paz, amor, carinho porque eu sou dedicado mesmo a esta causa em Aracaju. Estou atualmente promovendo eventos em São Sebastião do Passe, através deste grupo, com palestras, debates, recebendo visitas importantes como de políticos, autoridades policias e LGBTs do município, de Salvador e do Brasil para palestras, debates, exibições de fitas sobre as DSTs/AIDS, violência, caminhadas contra a violência, contra a homofobia, paradas pela Diversidade a todas as pessoas LGBTs pelo respeito e dignidade a todos. O Dia Mundial de Luta Contra a AIDS também é um evento que amo realizar. Dedico minha vida à causa LGBT.
15) Há apoio do comércio e da sociedade?
Há sim. Temos apoios de alguns comerciantes e da sociedade. Foi difícil, mas conseguimos promover um grandioso evento muito bonito, de paz, amor, segurança e carinho aqui em São Sebastião. Na primeira parada, tivemos a presença de 20 mil pessoas, na segunda 48 mil e para esta próxima a nossa previsão é de 70 mil participantes.
16) Qual o apoio da mídia na divulgação do seu trabalho?
Bom, nós ainda não temos o grande apoio da mídia da Bahia. Esperamos que você possa divulgar em toda a mídia Baiana, no que for preciso e dentro da sua possibilidade. O nosso evento é mais divulgado de boca a boca, sites, e-mails e listas GLS e LGBTTs. Enviamos material de divulgação para os eventos que acontecem nos Estados e Municípios da Bahia e Sergipe que divulgam a nossa Parada. Preciso, sim, URGENTEMENTE da sua ajuda para que possamos divulgar em toda a imprensa da Bahia. Por exemplo, o ZÉ BIN, do programa “Que Venha o Povo” é um dos nossos Padrinhos, a Leocrete é a nossa Rainha e uma das madrinhas. E a cantora da ex Calcinha Preta, Jannifer também nos apóia. E temos mais novidades.
17) Quando será a parada? Tem uma data fixa?
A nossa parada sempre é no primeiro domingo do mês de agosto, que este ano cai no dia 03. Já temos várias caravanas formadas da Bahia, de Sergipe, de Alagoas e outros Estados que estarão presentes em nosso grandioso evento, sendo um dos melhores. Estamos recebendo por dia muitos e-mails e telefonemas solicitando informações sobre a nossa III Parada.
18) Quais as atrações que virão para a festa?
Teremos bandas musicais que estarão tocando a partir do meio dia nos trios elétricos, que estarão parados no ponto de concentração; shows de transformistas, gogo-boys, dreg queens, apresentações de quadrilhas juninas, alas diversificas, teatro, poesia, músicas, tudo isso contra a homofobia e em solidariedade ao casal de Sargentos do Exército. É importante que estas caravanas tragam faixas, cartazes, que possam vir fardados com roupas do Exército, para que possamos mostrar para o mundo a falta de respeito, amor, carinho e um ato homofóbico que o Exército cometeu com este casal.
19) A prefeitura e outros órgãos públicos apóiam de alguma forma?
Sim, a Prefeitura, de uma forma ou de outra, apóia o nosso evento, como também, lojas comerciais, supermercados, políticos, empresas etc... E sempre solicitamos a todos e todas que tragam alimentos não perecíveis para serem doados às famílias carentes deste município. No dia 01, 02 e 03 teremos uma Boite com som, luz de primeira qualidade no NOVO SPAÇO FEST com apresentações de shows de transformistas, gogo boys da Bahia, de Sergipe e do Brasil. A entrada será alimentos não perecíveis.
20) O que motiva você a continuar sempre lutando em prol dos direitos humanos?
O que me motiva lutar cada vez mais em prol dos Direitos Humanos LGBTs é a amizade, respeito, dignidade, conhecimento, muito preocupado com a segurança para com todos e todas. Luto por respaldo positivo, dignidade, um trabalho humano voluntário a estas pessoas. Não temos dinheiro, projetos para a realização deste grandioso evento, mas temos muita paz, alegria, amor e carinho. Nós saímos por aí pedindo ajuda a um e a outro, e temos ainda muitas pessoas boas neste mundo que são do bem, que conhecem o nosso trabalho e que me conhece de longas datas pelo respeito que tenho por estas pessoas.
Contatos:
Wellington Andrade
Fundador e Coordenador
wellaju@yahoo.com.br
adamor_ssp@yahoo.com.br
(71) 9971-9622 / 3655-2419
(71) 8172-5713 / 9117-5817
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 08/08/2008
Alterado em 11/08/2008