Today was my adventure day. Hoy fue mi día de aventura. Hoje foi meu dia de aventura. Risos. Esta frase em três línguas infantis me lembrou Lulu Dente de Cano. Era uma bichona amiga de um amigo meu. Na verdade, o nome verdadeiro era Luís. Como era biba, traduziram o nome para Lulu, uma forma feminina de se referir a ela, como gostava de ser chamada. Uma vez o meu amigo me chamou para dar uma voltas, sem me dizer aonde iríamos. Paramos embaixo de um prédio de três andares e meu amigo gritou o nome de Luís, que apareceu no parapeito e jogou a chave do portão. Quando chegamos à porta de Lulu, ela se surpreendeu com minha presença e não gostou:
- My dear friend, you know I don’t like surprise... – e fazia umas caras super engraçadas. Repetiu a frase umas quatro vezes, enfezada com meu amigo. E meu amigo repetia:
- Lulu, this is Valdeck, he speaks English. Mas Lulu não ouvia, só repetia a frase à exaustão, até que se deu conta de que eu estava compreendendo aquela curtinha frase em inglês.
Voltando para Meu Quarto de Hotel, hoje, 17.12.2013, acordei sem me preocupar com o que ia fazer durante o dia. Afinal, já havia marcado um encontro com um amigo para o final da tarde. Talvez eu gaste o resto do dia navegando na internet ou dando umas voltas nas ruas próximas ao hotel. Às 8:30h resolvi descer para o desayuno. O elevador durou um século para abrir. Desci pela escada de emergência interna. Antes, abri a outra saída de emergência e confirmei que esta descia por fora do prédio, como eu tinha visto de relance anteontem, quando um casal a abriu e desceu por lá, por conta da demora do elevador. Engraçado como as pessoas andam em casais... Quando olhei pra fora, vi umas construções parecendo favela. Depois do café vou circular escada acima para tirar fotos da favela ao lado do hotel.
Interessante como estou condicionado a agir mecanicamente. Mesmo estando sozinho no quarto e nos corredores do hotel, ajo como se estivesse em multidão, todo certinho. Como é forte a pressão que a civilização mantém sobre nós...
Tentei comer o ovo mexido, mas estava sem sal. Tentei salgá-lo, mas não resultou em nada. Não comi. Tentei comer o feijão preto, igualmente insosso, abandonei tudo no prato. Resolvi dar uma mordida no bolinho de farinha de trigo frito, que eu nomeei Bolinho de Silvinha, intragável. Me contentei com suco de laranja, pão integral, geleia de morango e de melancia, manteiga, café com leite.
Um casal de brasileiros conversa e eu percebo sua nacionalidade pelo som das palavras. Outro casal se senta em frente à minha mesa. O rapaz me olha várias vezes, mas eu não retribuo nem insisto, não quero saber do que se trata. Mais um casal entra no salão, duas senhoras bichonas, que chamam a atenção do rapaz que me observa. Continuo meu café. O casal de brasileiros e o de bichonas ficam no salão, enquanto o rapaz que me olhava e sua namorada saem. Eu saio em seguida. Estão na entrada do elevador, quando a porta se abre eles resolvem ficar no saguão. Eu subo, fazendo caretas para o espelho.
No quarto eu pego a câmera fotográfica e abro a porta de emergência. Tiro algumas fotos e tento voltar. A porta não abre por fora. Resolvo subir uns andares e encontro uma porta aberta, mas sigo andares acima, até o décimo sétimo. A paisagem é linda de cima. O prédio ao lado do hotel é de uma arquitetura bem moderna. Está invadido por sem-teto e há algumas construções de casas sendo erguidas no lugar onde seria a garagem do edifício. Ao fundo, um grande terreno com casas de favela. As montanhas ao longo do horizonte têm edifícios; outras são cobertas de favelas. Ao fundo, florestas montanha acima. Caracas é um labirinto de civilizações, retrato da sociedade moderna, contraditória, em que os humanos se desumanizam por conta da sobrevivência. Ninguém vai se matar, se suicidar em massa. Todos querem viver, e vão viver, custe o que custar. Aprende-se sem forçar, naturalmente, a encontrar saídas, honestas ou foras da lei.
Uma tarde inteira no Facebook, lendo e respondendo mensagens, postagens, cutucadas, curtidas e compartilhadas. Após leitura do texto de Clarice Lispector, postado por Renata Rimet, intitulado “Felicidade Clandestina”, fiz este breve comentário:
Às vezes um charuto é apenas um charuto, disse Sigmund Freud. Eu acho que a felicidade deve ser experimentada aos poucos, como Clarisse fez nessa bela crônica-conto-ou-sei-lá-o-quê, pois felicidade não tem nome, nem rótulo, nem etiqueta, nem sobrenome, nem endereço, nem CPF, nem senha secreta. Está sempre ali, ao nosso lado, enrolada, encoberta, descoberta, na mesa, na cama, na geladeira, no chão do quintal, ou apenas na imaginação. Melhor viver e conviver com ela, mesmo em fantasia, que descobrir que o presente é ausência e decepção.
16 de dezembro de 2013
Café da Manhã, lá vou eu. Hoje me empanturrei, apesar de não conseguir comer muito pela manhã, herança dos longos anos de fome. O apetite só chega à tarde. Mas como resolvi não acessar a internet logo cedo, para aproveitar e dar uma passeada pelo Centro, comi bastante. Depois, direto para o ponto do ônibus da Avenida Solano Lopez. Pedi informações e peguei o ônibus que passa no Capitólio, região bem central. Uns vinte a trinta minutos num buzão terrível. A porta aberta o tempo todo, passageiros dão a mão em qualquer lugar e o motorista para. Ele mesmo dirige e cobra ao mesmo tempo. Os ônibus daqui parecem ter saído de um filme de trinta anos atrás. São velhos, lentos, mal cuidados, só tem uma porta, roncam alto. Preço da corrida, seis bolívares, não há controle de quem entra ou sai. O dinheiro, para meu espanto, fica numa caixa de madeira em cima do capô, à disposição do motorista e de quem o deseje roubar. Lembrei da taxista e do comentário sobre mostrar grana em público... Aprendi o roteiro que devo pegar: ida ao Centro, Alta Vista/Avenida Urdanista; de volta ao hotel, Chacaito/La Campiña. Gravando paisagens de ida e volta. Acho que o hotel está no município de Chacao, mas é tão colado com Caracas, que não sei se estou certo ou errado.
Saltei na Avenida Norte 2, no centro da cidade. Fiquei de olho, para não cometer nenhuma gafe de mostrar dinheiro em público. O resto, dá para contornar. Como tenho cara de latino, me passo por local em qualquer lugar, é só não abrir a boca para falar. Mesmo assim, em alguns lugares, não me reconheceram como turista, pois eu falo o mínimo e tento imitar o sotaque local. Vi muito lixo acumulado e moto taxi pra bater de pau (como se diz em Jequié-BA). Os cascos, como são chamados os capacetes, são metade de um capacete normal, não seriam aprovados no Brasil, de forma alguma. O que os motoqueiros gostam muito de fazer é buzinar. E os motoristas também. Parece que a buzina é um artigo para ser usado a torto e a direito. Os pedestres atravessam na frente dos carros, muitos param e dão passagem. Mas eu quase presenciei um atropelo em plena faixa de pedestre com sinal fechado para os carros. Meu Deus, por questão de segundos não aconteceu uma tragédia.
Entrei em algumas igrejas e também na Iglesia Santa Capilla. Andei por algumas praças, como a Plaza Bolívar (também chamada de Plaza Mayor ou Plaza de Armas). Entrei na estação do metrô e achei bem parecida com as de São Paulo, bem organizada e sinalizada. Entrei também num prédio denominado “Gobierno del Distrito Capital”, onde tinha uma exposição de fotos de Hugo Chavez e um presépio armado. Fiquei muito emocionado com as mensagens do povo ao grande líder, realmente amado pela população, dá para perceber no carinho que demonstram nas fotos. Escrevi uma frase num painel. Ao lado deste prédio estava acontecendo uma festa natalina, com música e muita comida, café, chocolate, suco etc, até tomei um copo de café, delicioso. Uma festa linda, fiquei vários minutos assistindo à cantoria e até acompanhei cantando também.
Fui a uma lan house e naveguei por quinze minutos e paguei cinquenta bolívares. Internet super rápida. Não há fiação elétrica pela cidade, é tudo subterrâneo, no melhor estilo europeu.
Vi policiamento ostensivo por todo lado: Polícia Municipal, Polícia del Pueblo (armas pesadas tipo metralhadora) e Guarda Nacional Bolivariana. Se for assim todo dia, o lugar é seguro. Mesmo assim me assustei com dois rapazes que ficaram olhando minha câmara fotográfica e pararam logo adiante. Nem tentei perceber se estavam de olho em mim ou se estavam mirando a praça. Dei no pé, circulei por várias ruas, me certificando de não estar sendo seguido. Melhor prevenir do que remediar. Lembrei da taxista de novo.
Nessa caminhada toda, achei um sanitário público, onde entrei pra usar. Bem sujinho, com alguns bagulhos jogados pelos cantos...
Um detalhe: as favelas, nos topos dos morros, são vistas do Centro, como se estivessem dentro do centro... ou o centro estivesse dentro das favelas... não sei direito a diferença.
Retornei ao hotel, de buzão. Sem problema. Saltei na Avenida Solano, segui em frente, dobrei à direita, orientado por dois venezuelanos aos quais perguntei a direção da Segunda Avenida de Las Delícias. Pronto, no hotel outra vez. Risos. Na prisão outra vez. Mas agora, sabendo para onde ir e por onde ir. Depois de ficar umas quatro horas na internet, teclando com amigos brasileiros e venezuelanos pelo Facebook, resolvi sair para comer. Olhei do apartamento e a pizzaria estava fechada, graças a Deus. Fui na direção da Avenida Solano, encontrei um barzinho que eu já tinha visto antes, mas não tinha Arepe, prato típico daqui, recomendado por um amigo. Segui mais um pouco, vi um supermercado. Em último caso, eu compraria umas coisas. Vi, também, uma banquinha de frutas e reconheci, de longe, bananas... Eram pistas para saídas pela tangente. Não precisei apelar, no entanto. Num barzinho na esquina da segunda rua, comi feito uma égua, como se diz em Jequié-BA. Não me lembro o nome do prato, mas era uma delícia: abacate, filetes de carne de boi, nacos de franco, tudo mal passado, com um molho de pimentões, cebola, alface e batata frita gratinada... Acompanha, pães com dois tipos de molho de pimenta que nunca comi igual. Acompanhei com três garrafas de Polar, cerveja genuinamente venezuelana. Ueba, finalmente enchi a pança e fiquei feliz. Dei dez bolívares de gorjeta ao garçom, mesmo sem obrigação. Nem reclamei que o bar não recebia American Express Card... Nem tudo está perdido no mundo. Ao longo do refestelamento de comida, clipes de venezuelanos arrasando com meus sentimentos. Fazer o que, se tenho sangue latino...
Descobri, nessa caminhada de hoje, que as pessoas mais linda não estão na internet; estão na rua, caminhando, como se fossem gente comum...
Numa mesa próxima, uma rachada falando igual a uma matraca na época da Páscoa. Toda mulher fala pelos cotovelos, não importa a língua. Eu vi uma tagarelando no hotel, enquanto o marido ou sei lá o que, só olhava. Esta do bar parecia enlouquecida, a boca não parava um segundo. Ao lado, uma bichona disfarçada, com a boca nervorsita, só enchia o rabo de galinha frita com molho e cerveja Polar, pra variar. Risos. Ces’t l avie, ou, A felicidade não custa caro: só 140 bolívares.
“Não sou mais um favelado/ Tenho medo da polícia/ E também do esfomeado/ Sou um burguês descarado”...
Minha comida merecia uma foto. Ai meu Deus, meus sais... “Não quero/ Nem saber/ Como esse boi morreu/ nem pra onde foi/ a alma desse infeliz se foi/ porque a vida tem que ser/ sorvida, servida, aos poucos”...
A pica do ar condicionado agora que me matar... vou desligar essa porra...
15 de dezembro de 2013 – no quarto
Após passar o dia quase todo sentado numa cadeira na entrada do hotel, com o computador plugado na energia e acessando a internet, resolvi sair da rede mundial e voltar para o aconchego do apartamento 504, meu novo endereço até o dia 22 de dezembro. Agora são 19:20 em Caracas (21:51hs no Brasil). Tenho vontade de dormir, mas ao mesmo tempo sinto que ainda é cedo. Peguei o notebook para dar uma olhada no que tinha escrito no Word e tentar escrever algumas linhas a mais. Apesar de não estar nem um pouco inspirado, acho que talvez meus escritos possam ser corrigidos depois e incluídos em algum livro ou capítulo de livro que eu venha a publicar.
Refletir, refletir... Sempre é bom, mesmo quando nossa mente e estado geral de consciência não tem nada para refletir. Estou meio que desmemoriado, sem informações no cérebro, completamente abestalhado.
Faz alguns minutos a “Ama das Chaves” tocou a campainha e me entregou duas toalhas quentinhas. Depois me perguntou se queria água. Assenti e ela me pediu a garrafa, encheu e me devolveu. Aqui não tem frigobar, a única bebida é água numa garrafa, com pedras de gelo. Estou no quinto andar, de frente para a rua. Me lembra um pouco um hotel que fiquei em Belo Horizonte. A paisagem é meio parecida, mas o clima, a língua, a programação da televisão, é tudo diferente. Estou como que numa ilha. Entendo e falo um pouco e espanhol e isso me basta para sobreviver, ainda mais que não gosto muito de falar. Acho que sou um pouco autismo. O som das coisas, das palavras, de tudo, me deixa aborrecido. Ainda vou me aposentar por incapacidade total. Nunca tive forças para trabalho pesado, não tenho inteligência pra trabalho mental nem lábia para trabalho persuasivo. Não gosto de tratar com público nem gosto de rotina. Me resta a aposentadoria... Que venha logo. Mas pela “lei”, ainda devo trabalhar uns dez a doze anos. Se eu estiver vivo e em forma até lá, terei o gostinho de não sair de casa todo dia, e de não fazer mais nada neste mundo. Ai que delícia.
Estou deitadinho debaixo de dois cobertores, sem o ar condicionado, que não condiciona porra nenhuma, desligado, assistindo quase cem canais, em espanhol, na televisão. Botei o celular para carregar a bateria e meti a tomada do computador para não descarregar a bateria dele. Escrevendo bobagens, sem querer preencher o tempo nem querendo parar o tempo. Só estou aqui vegetando, aproveitando para ser um animal, verdadeiramente animal. Já comi uns dois pedaços de pizza ruim. Risos. Hoje, depois da fome que passei o dia todo, com preguiça de sair para comprar alguma coisa, esta pizza horrível está menos horrível. Bebi dois copos de água gelada e vou beber uns três mais antes de dormir. A fome faz o sabor da comida. Parecia algo especial. Até senti um saborzinho gostoso... o que não faz a fome...
Eu acho que nenhuma língua e nenhum conhecimento é melhor ou pior do que outro. Para se aprender uma língua, basta bombardear o cérebro com sons e associações com palavras. Neste caso, para alfabetizados. Em relação a conhecimentos, basta treinos e mais treinos. Assim se fazem países, constituições, moedas, linguagens.
Hoje ouvi na televisão que caridade, solidariedade e outros “dades” não passam de trapaças dos humanos para sobreviver. Nada têm de desprendimentos desinteressados. É tudo uma forma de beneficiar a quem pratica, ou seja, não se direciona ao outro, mas sim a si mesmo. Em resumo, somos todos muito egoístas.
Estou pensando no café de amanhã, el desayuno. Após encher a pança com pão, manteiga, suco, café, frutas, vou sair pela cidade, pegar um ônibus e ir até o centro, circular, parar, comer algo diferente, tirar fotos, curtir a cidade de Caracas.
Não importa quão longe você vá. Onde quer que resolva parar e viver, as necessidades básicas precisam ser satisfeitas.
No aeroporto de Lisboa, ou em qualquer outro, além de comer, descansar, usar sanitários ou internet para se comunicar, algo mais se impõe: o encontro.
Seja um caixa pra trocar dinheiro, uma tomada para recarregar a bateria do celular, ou um canto para sentar e observar ao redor. Outro encontro, este mais valioso e insubstituível é o olhar avistar e reconhecer alguém que estamos esperando.
O café “Slice of Variety”, em frente à saída de desembarque de passageiros, proporciona a quem ali se alimenta por necessidade física ou para ocupar um lugar privilegiado, ampla visão de quem chega de vários lugares do mundo.
Os olhos percorrem curiosos, vigilantes e ansiosos, cada movimento de pessoas, em busca de reconhecer o ente querido ou simplesmente o cliente, o patrão, quem chega. Não importa se negros, mestiços, asiáticos, sul-americanos ou noruegueses.
O ponto é de encontro, de identificação, de conexão.
Apesar de aeroporto ser um lugar de dispersão, de partida, é, também, lugar de chegada e de passagem, lugar de ninguém, território neutro, lugar nenhum, só se concretiza no encontro, na conexão entre seres afins e que se situam, no momento do encontro, em um mundo possível e concreto!
Lisboa, 21 de abril de 2012