Uili Bergamin é entrevistado por Tânia da Silveira
Entrevista concedida à Tânia da Silveira, da Signus Comunicação Integrada e MKT, Mtb: 8522, Dezembro de 2008.
T.S. - Uili, ao ler teus livros, fica claro que teu objetivo não é só entreter, como ocorre com boa parte dos escritores contemporâneos. Tua literatura é densa, reflexiva e muito bem estruturada. Qual é a tua busca na literatura?
Uili - Acho que o Brasil tem excelentes veículos de entretenimento, dentre os quais a poderosíssima televisão. Ela não precisa da ajuda de mais ninguém para distrair a massa. Vem cumprindo com eficiência seu objetivo imbecilizante. Ao meu ver, a alta literatura não pode ter somente o intuito de fazer o tempo passar. Deve causar impacto e alguma transformação. Concordo com os pré-socráticos, que sequer possuíam a palavra “entretenimento” em seu vocabulário. Na Grécia Antiga a arte tinha que modificar as pessoas, causar reflexão. Essa é minha busca. Pode parecer pretensioso, mas se a arte não for pretensiosa, quem será? E busco fazer isso com um estilo próprio, que venho tentando desenvolver.
T.S. – Teu primeiro livro, O Sino do Campanário, provocou histeria nos meios literários de Caxias do Sul, sendo muito elogiado pela crítica e pelo público, algo incomum para um autor estreante. A edição original esgotou rapidamente e um dos contos acabou sendo adaptado para o cinema. Ao teu ver, a que se deveu isso?
Uili - Acho que pelo fato de ser polêmico. O Sino... é um livro de formação, escrito durante a juventude, com todas as incertezas que esta fase traz. É até contraditório em alguns momentos. Não que hoje eu esteja seguro de tudo, mas algumas coisas estão consolidadas, como por exemplo, minha fé, ou a falta dela. A época de O Sino... foi justamente a da transição entre meu catolicismo ferrenho e o ateísmo. Praticamente todos os contos têm como fio condutor a crença, o amor e a dúvida. É um livro que mexe com as pessoas. É fácil de ler, pois os contos são independentes e escritos de maneira simples, com exceção de um ou dois, onde comecei a exercitar o estilo que impus ao meu segundo livro, Cela de Papel.
T.S. – Teu segundo livro demanda um esforço e uma atenção maiores que O Sino... Já assisti entrevistas onde disseste que esta é tua obra preferida, embora não tenha tido a visibilidade que a anterior teve. A própria crítica local parece ter “torcido o nariz” para ela. Como tu enxergas isso?
Uili – A reação de alguns burocratas da literatura é sinal de que Cela de Papel realmente trouxe algo de novo. A resistência ocorreu porque ela tornou obsoleta boa parte da literatura praticada em Caxias até então, e apanhou os leitores convencionais de calças curtas. É um livro experimental, por isso meu carinho por ele. Gosto de coisas diferentes. É claro que há uma defasagem entre a literatura de invenção e a capacidade de absorção do público. O que não está no repertório habitual, custa a ser assimilado. A imprensa simplesmente ignorou esse livro, ao passo que endeusou O Sino do Campanário. Naturalmente o destino dos escritores-inventores é mais difícil do que os que seguem a via certinha. Por outro lado, algumas pessoas de peso da nossa literatura o elogiaram ardorosamente. Pozenato, por exemplo, me chamou de gourmet das palavras. Décio Bombassaro disse que a partir desse livro, passo a ser uma das mais agradáveis promessas da literatura nacional. Alguns outros, com respeitáveis bagagens de leitura, o colocam entre os melhores livros que leram na vida. Faço esse registro não para me vangloriar, mas para mostrar a inconsistência do chamado “cânone caxiense” e a perfídia dos que defendem o escamoteamento de uma parcela importante de nossa produção literária. Agora, dizer que o único mérito do Cela... é a experimentação, é muito redutor. Cela de Papel é um livro filosófico, profundo e humano. É onde eu mais disse o que tinha que dizer, apesar de alguns deslizes.
T.S. – E a compilação de poemas, Do Útero do Mundo, teu mais recente livro, como foi recebido? Creio ser a mais densa das tuas obras.
Uili - Um livro de poesias, lançado num país de terceiro mundo, não deve causar muita expectativa. Tendo isso em mente, até me surpreendeu a receptividade da obra. O lançamento foi um sucesso e já está praticamente esgotada a primeira edição, em apenas um ano. Algo raríssimo em se tratando do gênero. Quanto à densidade dos poemas, creio mesmo que o são. Não vejo a poesia de outra forma. Ali deve haver a condensação máxima, de palavra e sentido. Por isso a dificuldade em lê-la. É preciso um leitor atento e treinado.
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 09/01/2009