Salvador, Carnaval de 2010
Antonio Barreto, cordelista natural de Santa Bárbara-BA,
residente em Salvador.
Dei uma de jornalista
Em Salvador da Bahia
E fui consultar o povo
Pra comentar a folia
Que se chama Carnaval
Uma festa cultural
Que declina a cada dia.
Busquei a neutralidade
Sem fazer intervenção
Apenas eu transformava
Com muita dedicação
Tudo em versos de cordel
E anotava no papel:
Conforme vocês verão:
— O carnaval tá careca
E fingindo que tem trança!
Muitos a ganhar dinheiro
Engordando sua poupança
E o pobre do folião
Precisa de um dinheirão
Pra poder entrar na “dança”.
— O carnaval era público
Porém tornou-se privado.
Toda a espontaneidade
Acabou-se com o mercado
De gente gananciosa
Prepotente e vaidosa:
Um esquema bem fechado.
— Hoje o clima é de apartheid
Feito o Muro de Berlim.
De um lado o povo simples
E do outro Camarim:
Criação de uma elite
Que passou a dar palpite
E fazer coisa ruim.
— Agora ninguém me engana:
Já não podemos pensar
Neste Carnaval baiano
Como festa popular
Já que a praça, que é do povo
Tem agora um “Kartel novo”
Pra excluir, pra faturar!
— Já existe fazendeira
Empresário, explorador
Donos de rede de hotel
Gente vil, bajulador
Matando essa bela festa
Que o mundo inteiro atesta:
Carnaval de Salvador.
— No Recife prazenteiro
Não tem corda ou escravidão.
Ninguém paga pra brincar
Lá quem manda é o folião
Mas aqui em Salvador
Não há ética nem pudor:
Tudo é privatização.
— Os artistas e empresários
Que comandam o carnaval
Eu não vou citar os nomes
Dessa prole tão banal
Figuras tão conhecidas
Porém não comprometidas
Com o lado social.
— Em perfeito e alto astral
Fico com Moraes Moreira
Artista conceituado
Que enxergou a baboseira:
A ganância, a hipocrisia
Dessa gente da Bahia
Prepotente e ‘aberteira’.
— Vai morrendo a tradição
Da nossa rica cultura
Pouco a pouco os blocos-afros
Caem na “rua da amargura”
Porque a força do mal
Que comanda o carnaval
Já domina a Prefeitura.
— O empresário fatura
Sem visar o social.
Já criou-se um apartheid
Nesse belo carnaval
Que em vez de ser do povo
Já pertence a esse novo
Megaesquema industrial.
— Na perda da tradição
Lá se vão o afoxé,
O sambinha, o ijexá,
A magia, o candomblé
Que perderam seu espaço
Para o tal do “pagodaço”
E a elite do axé.
— Logo eu estarei em Marte
Longe de tanta artimanha.
Veja agora que o Rei Momo
Não precisa ter mais banha !
O processo é político
De prefeito paralítico
Que só pensa em barganha.
— Cada um compra seu “lote”
No circuito Barra-Ondina
Monopolizando espaço
Que logo terá piscina!
Camarotes suntuosos
Dos artistas vaidosos
Cuja luz não me fascina.
— Aumentando a hipocrisia
Criaram os tais “cordeiros”
Pessoas submetidas
Aos blocos de interesseiros
Que fazem do pobre: escravos
E lhes dão alguns centavos
Para serem seus obreiros.
— Quem ousar cortar o mal
Da Máfia pela raiz
Logo será destruído
Vai ser mais um infeliz
Pois o “plano” é muito forte:
Eles sabem dar o corte
Porque são pessoas vis.
— Muitas cenas de mau gosto
São vistas à luz do dia
Em cima dos Camarotes
Onde rola a mordomia
Das grandes “celebridades”
As famosas “majestades”
Do Carnaval da Bahia.
— Mas também há folião
Que não tem discernimento
E acaba endeusando
Certo bando de ‘jumento’
Que faz música sem critério
Só leva o dinheiro a sério
Visando enriquecimento
— Cadê a preservação
Da cultura africana
Que muito contribuiu
Pra essa festa baiana?
Perdemos nossa beleza
E o critério, com certeza
Por causa da ratazana.
— Na voz dos ‘grandes artistas’
Desse nosso carnavá
Essa estória de dizer:
“onde tem povo tô lá”:
Isso é mentira pura
Eles vão pela usura
De ganhar muito bambá!
— As ruas e avenidas
Estão sendo dominadas
Por blocos e trios elétricos
Das estrelas ”endeusadas”.
E os afoxés da gente
Raiz afrodescendente
Desfilam nas madrugadas.
— Não me venham com lambança
Ainda sou pipoqueiro
Folião independente
Não quero ser chicleteiro.
Tenho cérebro, não sou besta
(segunda nunca foi sexta!)
Tampouco sou pagodeiro.
— E da forma que prossegue
Essa louca trajetória
No futuro não se assuste
De um Carnaval sem glória
Que ficará registrado
E muito pouco lembrado
Nas páginas da nossa história.
— Os empresários têm manha
Pra matar a tradição...
Antes era o Carnaval
Festa da população
Hoje é tudo demarcado
Pelo tal Poder Privado:
Que se lasque o folião!
— Gosto mesmo é de Gerônimo
Tapajós, Ilê, Missinho
Luiz Caldas, Olodum
Dez mil vezes Armandinho
Botando pra rebentar
Trilhando Dodô e Osmar
Com Aroldo, André e Betinho.
— Sou Muzenza, Sarajane
A Mudança do Garcia
Filhos de Gandy, Ara Ketu
Walter Queiroz: poesia!
Apaches e muito mais:
Carnaval de glória e paz...
Quem jamais esqueceria?!
— Só queria um por cento
Da riqueza de Guanaes
De Sangalo, de Chiclete
Etecéteras e tais...
Êta indústria de dinheiro
Deste Carnaval fagueiro
Alienante demais!
— 60 anos de Trio
Nós precisamos louvar
Porque os nossos heróis
Chamados Dodô e Osmar
Tão chorando lá no céu
Diante do escarcéu
Que acabaram de instalar.
E aqui Barreto encerra
Esses versos de cordel
Desejando que essa Festa
Tenha mais sabor de Mel
E a praça do povão
Volte a ter animação
Sem a onda do “Kartel” !
FIM
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 09/02/2010