Neoliberal odeia pobre, preto, criança, velho e minorias - Crônica
Sou neoliberalista. Prefiro investir onde o custo de produção seja mínimo, ou seja, os salários oferecidos sejam pequenos, os direitos sociais frágeis; em locais onde eu não precise cuidar do meio ambiente caso minha fábrica destrua a natureza; onde a mão-de-obra seja farta e barata. Eu lucro mais e envio meu dinheiro a paraísos fiscais, onde não pago imposto e não preciso dar minha contrapartida social. Adoro explorar economicamente uma região e, quando não valer mais à pena investir nela, mudo meu escritório para um país de terceiro mundo, onde vou lucrar mais com menos esforço.
Não gosto que a população discuta os problemas, nem participe das decisões. Política é para empresário, fazendeiro, gente que tem dinheiro. O povo precisa somente de carnaval e futebol.
Direitos Sociais? Isso é coisa de comunista, de esquerdista, dessa gente ligada a solidariedade, religiosidade... Em minha opinião, quem não aguenta, pede pra sair; quem não consegue produzir para o seu próprio consumo, deve ser excluído do sistema, ser jogado na sarjeta, empurrado para a periferia. Afinal, quem se importa com pobres, pretos, índios, aleijados, deficientes, incapazes, loucos e tantos outros tipos de gente que não produz, que não acompanha o ritmo? Esses, os que não produzem, deveriam ser expostos em programas de jornalismo, na TV, como atração. A aberração, a fome, a miséria, a falta de educação, tudo isso deveria ser show em programas jornalísticos, no horário do almoço, para mostrar a quem produz o que pode acontecer a alguém que ousar sair do sistema. Para aqueles que não trabalham, não produzem como máquinas, resta, ainda, a venda da imagem, em revistas de consumo de corpos. Tem sempre uma forma de se ganhar um dinheirinho.
Sou a favor do corte de direitos sociais como:
Liberdade
Liberdade para quê? O povo não precisa saber de nada, aprender coisa alguma. Assim, fica mais fácil manobrar a massa. A imprensa deve ser controlada por estrangeiros, desta forma eles nos controlam mais de perto. A mídia deve estar a serviço da elite dominante, defendendo os privilégios de quem está no poder.
Segurança Pública
Quem quiser que contrate uma milícia pessoal. Há tantas empresas, legalizadas, que prestam segurança, desde o guarda-costas pessoal, vigilante de rua, de loja, de escola, de órgãos públicos... A polícia deve cuidar somente da repressão, do ataque àqueles que deveriam ser protegidos. Eu moro em condomínio fechado, tenho guarda particular e carro blindado.
Reforma agrária
O latifúndio, ou seja, a terra improdutiva, grandes territórios abandonados e terrenos abandonados devem permanecer como estão. O povo reivindica estas propriedades para plantar e viver da terra. Nada mais injusto que tirar a terra de quem a possui desde a divisão do Brasil em sesmarias, as capitanias hereditárias. Afinal, herança é herança.
Justiça
Para que justiça? Sou a favor que se prenda e condene a penas altíssimas os ladrões de galinha e quem cometer crimes pequenos. Defendo privilégios a quem dilapidar o patrimônio público, quem roubar milhões de dólares e a quem superfaturar obras públicas. Apoio aos políticos que forem financiados pelo capital estrangeiro, a fim de aprovar leis que lhe favoreça e, em contrapartida, sejam contra aos interesses dos brasileiros.
Saúde
Quem puder que pague um seguro de saúde ou seguro de vida. O Estado deve pagar plano de saúde particular para seus funcionários, como já vem fazendo. Na minha opinião, deve aumentar a contribuição a empresas de saúde privadas e fechar os hospitais públicos ou precarizar o atendimento, a fim de estimular a busca por hospitais particulares. Aqueles que não puderem pagar um plano pessoal ou não encontrarem vagas na rede pública devem morrer na porta dos hospitais.
Educação
O governo deve pagar planos de educação privada à população e desmantelar o serviço público, a fim de estimular a busca por escolas e universidades particulares. Já existe algum investimento nesse setor, mas é necessário aumentar gradativamente. Universidade pública deve ficar reservada apenas a quem puder frequentar escolas particulares de boa qualidade, a fim de conseguir passar nos vestibulares cada vez mais concorridos. Abrir novas universidades públicas é um problema, pois pode dar muito acesso a quem está fora do sistema. Defendo a venda de todas as universidades particulares para estrangeiros.
Cultura
As crenças, brincadeiras de roda, contação de histórias, brincadeiras que socializem ou humanizem as crianças devem ser esquecidas e substituídas por bonecas barbies, bonecos que representem valores de mercado e individualização das pessoas. A música, por exemplo, deve ser pasteurizada, embalada e vendida em doses homeopáticas, a fim de alienar e divertir, sem fazer pensar. Livros e bibliotecas só terão investimentos se não contiverem mensagens que levem à socialização e à busca por respeito ao ser humano. O investimento em poesia, filosofia, psicologia, sociologia e nas áreas de humanas deve ser diminuído.
Meio ambiente
Pra que cuidar de algo que a gente pode plastificar? Não há necessidade de árvores, rios, lagos e natureza, pois o homem pode muito bem viver em bolhas. Pisar no chão, tocar numa árvore e cuidar dos animais de ser tornado crime inafiançável. Sou a favor da degradação total do meio ambiente, canalização dos rios, destruição das árvores e exploração predatória de qualquer bem que possa gerar lucro.
Habitação
Quem puder pagar, vai ter moradia, a depender do quanto possa desembolsar. Os planos de pagamento devem prever dívida que nunca possa ser quitada. A sarjeta, as ruas e praças das cidades ficam reservadas àqueles que não conseguirem se adequar ao sistema.
Transporte (direito de ir e vir)
Sou a favor da privatização das rodovias e ruas. Transporte público de boa qualidade só para turistas, que devem ser tratados a pão de ló. Pra o trabalhador do dia a dia, ônibus de péssima qualidade e superlotado é o bastante. Quem puder pagar, se locomove, quem não puder, fica confinado. Direito tem quem direito paga.
Direitos trabalhistas
Sou a favor da flexibilização dos direitos. Explico: diminuir o salário, aumentar a carga horária, cobrar mais taxas e impostos de quem produz e trabalha duro, retirar direitos trabalhistas conquistados a duras penas. Trabalhador tem que manter o sistema funcionando, custe o que custar, mesmo que para isso tenha que aumentar a rotatividade da mão de obra, oferecer salário apenas para a sobrevivência. Ninguém vai recusar trabalho. Sou a favor dos investimentos no mercado de capitais. A produção deve ser desestimulada, para não gerar empregos. A renda nacional deve se concentrar nas mãos de poucos privilegiados.
Aposentadoria
Sou a favor da diminuição dos investimentos estatais em previdência. O dinheiro que o governo puder arrecadar deve servir para incentivar aposentadoria através de bancos e empresas particulares. Quem não puder acompanhar o ritmo, deve ser eliminado, esquecido, relegado a último plano.
Morte?
Ah, cemitérios jardins para quem puder pagar e vala comum aos indigentes.
E ainda tem gente que acha que é difícil sobreviver num mundo competitivo. Há saídas. É só procurar: comércio de armas, do tráfico de drogas, da corrupção ativa e passiva, do enriquecimento através das licitações com cartas marcadas, da sonegação fiscal, do tráfico de mercadorias e pessoas, do trabalho escravo e da exploração sexual de crianças e adolescentes.
Bem... Revendo as consequências da competição desenfreada por lucro, percebo que a pessoa humana está degradada, tornada sem alma. Percebo que estou podre, desumanizado, transformado num trapo. Estou num beco sem saída. Quem sou eu? O brasileiro pacato, paciente, que não se queixa, não reclama, não exerce a cidadania e, portanto, apoia o neoliberalismo sem o saber.
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 27/10/2010
Alterado em 03/11/2010