Cajazeiras é uma viagem, literalmente
Pra quem não mora em Salvador ou se restringe a circular pela chamada “zona nobre” (Pituba, Barra, Graça, Ondina, Itaigara etc), Cajazeiras é apenas uma referência distante. Conhecer Salvador, ao contrário do que muitos pensam, entretanto, passa por vias e bairros com vida própria, cultura e hábitos peculiares.
Eu moro em Salvador desde 1993, vindo de Jequié, conhecida como Cidade Sol, distante 361km da capital. No início, com tempo e disposição, bem como energia própria da idade, alidado à curiosidade de um morador-turista vislumbrado, percorri muitos bairros da cidade, curti pagodes no subúrbio na época em que os grupos que fazem sucesso hoje estavam despontando e não cobravam pelos ensaios.
Nas idas e vindas fui tomando consciência de como, onde, quando andar e, principalmente, o que mostrar e esconder nas caminhadas, passeios de ônibus e de bicicleta, a fim de evitar assaltos. Eu percorria vários quilômetros de bike, de Nazaré a Pituba, Itapoã, Paripe e até Dias D’Ávila, na região metropolitana. Cajazeiras, Castelo Branco e adjacências pareciam uma miragem, localidades que conheci somente mais de 15 anos após minha chegada a Salvador.
Primeiro, conheci alguns caminhos do lugar, de carro. E me acostumei com as rotatórias, a sinalização precária e o engarrafamento constante nas ruas estreitas e superlotadas de gente, carros, ônibus, motos… Ontem, dia 27 de dezembro de 2010, fui visitar uma amiga que mora entre Águas Claras e Cajazeiras 6. Fui de buzu, pela primeira vez, pois não estava a fim de dirigir, apesar do trânsito livre típico de final de ano, quando as escolas estão todas de férias e o fluxo de veículos diminui drasticamente. De Nazaré para a Estação da Lapa, peguei um buzão. Tranquilo, em cinco minutos já estava no ponto 28, onde param Cajazeiras 7-6, Cajazeiras 6-7 e Fazenda Grande 1 e 2.
Mais de meia hora de espera e apareceu o meu carro, Cajazeiras 6-7. Eram sete e meia da noite. Quarenta minutos depois, eu já estava na casa de minha amiga. Durante o percurso do ônibus, observei que quase todos os passageiros estavam cochilando ou dormindo de verdade. As mulheres eram maioria. Eu não consegui cadeira para sentar, pois quando o buzu chegou na Lapa, vindo da Barra, já estava quase cheio, e as poucas cadeiras livres foram logo ocupadas por quem estava na minha frente na fila.
Pareceu-me que há uma espécie de acordo entre os passageiros usuais. Quando um vai saltar, chama uma mulher que esteja de pé e oferece o lugar. Caso ela rejeite, o que raramente acontece, qualquer outro passageiro ocupa a cadeira. Não há uma briga por lugares. À medida que uns vão descendo, outros vão ocupando. Na avenida Barros Reis entrou um rapaz que se dizia ex-presidiário. Ele pediu ajuda para comprar comida. Quase ninguém ouviu o que ele dizia. Alguns pontos depois ele desceu e foi embora.
Esta é parte da rotina dos passageiros dos ônibus. Não raro acontecem assaltos, tiroteio entre ladrões e passageiros ou policiais à paisana. Felizmente minha viagem de ida e volta transcorreu sem sobressaltos. E foi uma verdadeira “viagem”, mergulho num universo tão próximo e tão distante, que muitos se negam a ver mas que é a realidade dessa cidade-metrópole. Costumes, maneiras diferentes, jeitos peculiares e rotina que fazem parte da Salvador cuja falsa imagem é de que seus moradores estão sempre em festa.
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 28/12/2010