Direto de Moçambique, o escritor e jornalista Eduardo responde a perguntas sobre sobre sua vida profissional.
Valdeck Almeida: Quando e onde é que nasceu?
Eduardo Quive: Nasci na noite do oitavo dia do mês de Junho. Foi em 1991, enquanto a instabilidade ainda tomava conta do meu país. Quando falo da instabilidade, refiro-me a guerra civil, entre o Governo Moçambicano, liderado pela FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e pela RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique). Portanto, foi um nascimento em apuros.
Valdeck Almeida: Quais são os livros que considera essenciais para quem procura se introduzir no mundo literário como o seu caso?
Eduardo Quive: Como leitor exigente que me considero e membro de um movimento literário composto por uma maioria jovem de aspirantes a escritores, ainda me é difícil distinguir as boas das más obras literárias. Se calhar porque não leio só para a minha construção sociocultural, mas também, como um iniciante no mundo da escrita, procurando assim, alimentar-me das técnicas e criações dos escritores para construir a minha obra. Não digo com isso que toda obra é boa, confesso que há livros que os leio exactamente porque não os considero bons para mim. O facto único é que considero toda obra literária crucial para quem quer escrever, não exactamente para aprender a escrever, mas para inspirar-se na inspiração de que consome.
Valdeck Almeida: Considera ficção um género que não pretende transmitir nenhuma lição de vida, nenhuma mensagem?
Eduardo Quive: Curiosamente, embora nos últimos tempos escreva com muita frequência algo que se pode chamar poesia, confesso que o meu género preferido é ficção. Entretanto, há um aspecto interessantíssimo – as vezes, é difícil distinguir a ficção dos factos reais na literatura africana, e particularmente moçambicana. Deve ser pela realidade que aqui se vive. Por exemplo, alguém pode considerar o “Último voo de Flamingo” de Mia Couto, uma ficção, mas eu, porque encontro-me naquela realidade e a conheço entre nós, sei muito bem que trata-se duma viagem no mundo real na sociedade Moçambicana, agora, mas considero ficção sim, o “Ualalapi” do Ungulani Ba Ka Khosa.
Por outro lado, quanto a mim, na realidade africana e Moçambicana, principalmente, não existe o irreal que se chame ficção. O que o ocidente e outros mundos consideram ficção, cá entre nós, são lendas que caracterizam as várias gerações. Exemplo do próprio “Ualalapi” que quanto a mim, o Ungulani Ba Ka Khosa, embora servindo-se de papel de historiador para contar aquela estória da história, fez o bom uso dos mitos e lendas que existe sobre o Ngungunhana, ao sentido real dos reis africanos – gordos, barrigudos, feiticeiros ou então protegidos por espíritos ancestrais e homens temidos pela frieza – isso minha avó já me contou nos famosos Nkaringanas (estórias) em volta da lareira.
Valdeck Almeida: Como iniciante, escreve só para deleite, para distracção do leitor?
Eduardo Quive: Em princípio tudo que escrevo é para mim. Quando escrevo não penso em quem vai ler, embora muitas vezes, na situação de jornalista como me encontro, seja obrigado a pensar no leitor principalmente no uso das expressões, pois o maior princípio do jornalismo é comunicar, informar. Mas isso, quando escrevo nas minhas inspirações literárias, procuro não me lembrar, fico preocupado com a minha própria satisfação, porque é para mim que escrevo.
É verdade que nos últimos anos, principalmente os dois em que estou envolvido intensamente na produção literária, seja pela participação em várias revistas, Brasileiras e jornais moçambicanos, até mesmo no meu próprio blogue, acabo sendo mais cauteloso as críticas que recebo e aos comentários dos que me lê, uma vez que vai se criando, entre eu e o leitor um vínculo e que este já passa a ter alguma expectativa sobre o que escrevo.
Valdeck Almeida: O que o leva a escrever?
Eduardo Quive: Nada e mais alguma coisa! Acho complicado justificar esse tipo de coisa. Alguém conhece onde começa o oceano? Onde se esconde a lua em noite chuvosa? Isso trata-se de procurarmos entender e interpretar cada batimento do coração. A verdade é que escrevo e mais nada.
Valdeck Almeida: O que mais gosta de escrever?
Eduardo Quive: Gosto de contar histórias. Essa é a minha maior paixão. Só para entender isto, aos meus 11 anos começo a entregar-me no teatro. E o que é teatro? É a arte de representar. Ao contar estórias vivo muitas vidas, a vida do Valdeck, do Craveirinha e até do Barack Obama. Nas estórias fico uma andorinha, com asas para lançar uma caganita ao rei e continuar livre. Conto estórias e transmito vidas, estas que antes de chegar ao leitor, eu mesmo passo a conhecê-las.
Valdeck Almeida: Como nascem as histórias?
Eduardo Quive: As minhas histórias/estórias, percorrem longas distâncias, mas considero-as simples e puras como o Nkaringana wa Nkaringa contado por uma avó ao estilo moçambicano e eu, embora com pouco convívio com os meus avós, ouvi muitas histórias enquanto criança. O básico é, não me esforço para escrever qualquer que seja história, ela flui naturalmente.
Valdeck Almeida: Concluiu faculdade?
Eduardo Quive: Não. Nem se quer iniciei (risos). Concluí em 2010 o ensino médio (12ª classe) e o próximo nível a frequentar tem que ser mesmo a faculdade. Mas brevemente estarei lá, só não me quero pôr a justificar o porquê de não ter concorrido para entrar neste ano.
Valdeck Almeida: Qual o escritor ou o jornalista que mais admira e que tenha servido como fonte de inspiração ou de motivação para o seu trabalho?
Eduardo Quive: Um iniciante é sempre iniciante e antes de lançar o seu próprio livro, considerar-se-á sempre aspirante, sendo que seria difícil identificar algum escriba que o tenha servido como fonte de inspiração isto porque tudo é uma inspiração.
Mas devo dizer que tive uma grande influência do meu professor de língua portuguesa ainda a entrar na escola secundária. Ele falava tão bem que até cheguei a imitar o seu jeito de falar. Mas já na nona classe aqui em Moçambique considerado o primeiro ciclo do ensino secundário, começamos a estudar literatura, aí conheço o conto “Laurinda, tu vás mbunhar” do escritor Suleimane Cassamo e logo adiante, vi-me apaixonado com os contos do “Xicandarinha na lenha do mundo” do escritor Calane da Silva, aí foi mesmo para valer. E por sorte, descobri que o meu irmão que dormia no mesmo quarto comigo, era um grande leitor e inclusive, tinha a obra do Suleimane Cassamo com o conto que me referi. Eu lia durante a noite enquanto ele dormia e aí, entrei para o encantado mundo dos livros, fui roubando a leitura de outros como “Orgia dos Loucos” de Ungulani, as “Mil e uma noite” e muitos outros livros adultos.
Mas agora, voltando a sua questão, Calane da Silva, influencia-me muito, hoje mais do que nunca, principalmente porque partilho os meus dias com ele. Me inspira o seu jeito de ver as coisas e até de escrever.
Outras inspirações encontro na escritora Lília Momplé que quanto a mim, é uma grande contadora de estórias. E o jornalista da Televisão de Moçambique, Francisco Júnior, é um homem que muito admiro o seu trabalho.
Valdeck Almeida: Por que não usa pseudónimo nos seus escritos?
Eduardo Quive: Quando comparo aquilo que escrevo com aquilo que sou na verdade, encontro alguma diferença: da alma que relata os acontecimentos que não sei qual é e da alma deste homem que vive num mundo com limites, exigências que sou eu.
Mas também, comove-me o anonimato que o meu nome verdadeiro tem sob o escritor que há em mim. Não quero prender as pessoas naquilo que sou e vivo diariamente, quero que elas viagem com o que escrevo, acho que assim, elas se sentirão a vontade de dialogar com ele e fazerem dele o seu transporte para um mundo que até eu quero conhecer.
Se calhar é por isso que o Eduardo Quive, não lê Xiguiana da Luz e Cruz Salazar, os meus pseudónimos, e prefere mil vezes ler o Mia, Calane, Lília, Paulina, José Inácio, Amim Nordine, Nélio Nhamposse entre outros que são os ilustres da palavra.
Valdeck Almeida: Como é que você passou a sua infância?
Eduardo Quive: Não sei se tive uma boa ou má infância! Mas ela é marcada por quatro momentos: a fase de uma vida em que tinha um pai e uma mãe onde poderia chorar se me magoasse, pedir se desejasse algo, abraçar se estivesse feliz. Mas logo depois, isso aos meus 9 anos e lembro-me muito bem, vivi os chamados tempos das vacas magras, com falta de muita coisa e me diferenciava de muitos meninos. A família cai na penumbra do separatismo. Vida de miséria. Com muitas dificuldades de sobrevivência. Aprendi a cozinhar nessa fase e a cuidar de bebés. Privei-me de muitas brincadeiras como muitas crianças. Se calhar foi assim que nasceu este contador de estórias que se revela no quotidiano.
Mas de um modo geral, sem querer entrar em detalhes melancólicos, vivi uma infância com tempos difíceis. Não cresci num bom ambiente familiar, mas graças a Deus, da escola nunca me dissociei e muito novo entreguei-me na paixão pelas artes e é o que me conduziu até onde hoje me encontro.
Valdeck Almeida: Como é que passou a sua juventude?
Eduardo Quive: Com muita coragem, ousadia e sonhos. Eu sempre fui sonhador e a juventude que na verdade começou a bocado, me é marcada por vários desafios e metas por alcançar e vivendo na auto dependência financeira, os momentos difíceis são tantos, mas caminho confiante.
Comecei a fazer trabalhos remunerados com 19 anos, mas aos 17 já entrava nas leads jornalísticas. Sinto que há muito que viver ainda e bons momentos estão por vir.
Valdeck Almeida: Tem planos de publicar livros? Já tem algum pronto a publicar?
Eduardo Quive: Falando francamente, nunca sentei para planificar um possível lançamento de um livro meu. Embora já com uma produção literária, não sinto a emergência de publicar.
Mas se tivesse mesmo que publicar, se calhar começaria com poesia. Entretanto, volto a realçar, lançar um livro não constitui uma prioridade para mim e creio que mesmo quando chegar a vez de publicar, não será por me sentir preparado, será por querer estar presente na vida de quem me lê com muito gosto. Acho que não existe melhor coisa que termos algo que amamos connosco. Falo por experiência própria. Com o pouco que ganho como em jeito do subsídio no jornal onde trabalho, não me limita nem se quer por um instante, de comprar um livro. Compro-os e abraço-os com o carinho que partilho com a mulher com que namoro.
Valdeck Almeida: Qual sua principal actividade? Escritor?
Eduardo Quive: Neste momento dedico-me a duas coisas que faço com amor: jornalismo e ao activismo literário através do movimento literário (Movimento Literário Kuphaluxa) em que sou fundador. Escrever ainda não coloco na lista das minhas actividades, porque nunca sei quando é que vou o fazer. Não tenho uma agenda onde anoto os dias em que tenho que criar algum conto ou poema, mas no jornalismo, tenho as agendas diárias e no Kuphaluxa, tenho os projectos por executar com datas marcadas.
Valdeck Almeida: O que você mudaria no mundo se lhe fosse dada a presidência mundial por um dia?
Eduardo Quive: Que o livro fosse gratuito. Acho que tão pouco se preocupa sobre o custo de uma obra literária. É certo que gosta realmente de ler, não se sente a perder, mas só para ter uma ideia, em Moçambique mais de 50 porcento da população vive a baixo de um dólar por dia e um livro, custa por aqui, 20 vezes desse valor. Logo, no lugar de ficar 20 dias sem comer para comprar um livro, dos mais baratos, o cidadão teria que investir no estômago, porque com fome, nem ler poderia. E me perguntaria se não era melhor acabarmos com a fome? Mas com o livro sem custos, podíamos ver uma sociedade que não se sentiria perdendo ao ler, porque não terá pago. Do que pagar para depois passar fome. Quem é Moçambicano ainda pode me perguntar se as bibliotecas não servem para disponibilizar gratuitamente o livro? E que os moçambicanos pouco fazem uso delas? E responderia ao meu co-patriota dizendo: As bibliotecas encontram-se quase todas elas nas grandes cidades que e por mais que elas estejam onde o povo está, a maioria dos livros que tem são científicos e não literários.
Valdeck Almeida: Qual sua religião?
Eduardo Quive: Sou cristão católico.
Valdeck Almeida: Já conhece o Brasil? E outros países?
Eduardo Quive: Brasil! Não conheço. Conheço a África do Sul apenas. Nem o meu País conheço no seu todo. Só para ter ideia, das 10 províncias que o País tem, sem contar com esta palhaçada política de dividir Maputo em Maputo cidade e Maputo província, apenas conheço seis cidades, concretamente, Chókwé, Xai-xai, Beira, Chimoio, Maputo e Matola, nesta última onde moro. Mas a província de Maputo quase conheço toda. As cidades de Chókwé, Beira e Chimio, foram por viagem de trabalho jornalístico. Xai-xai é terra dos meus pais e é lá onde busquei este gosto por contar estórias.
Quanto ao Brasil, embora um país desconhecido, tenho muitos amigos escritores e pelo menos como resultado deste intercâmbio virtual, já tiveram atrevimento de vir até Maputo a escritora Ana Rusche, que conheceu-me no portal Cronópios onde colaboro e o Rubervam Du Nascimento que também descobriu o que escrevo no mesmo portal. Esses dois vierem a Maputo neste ano e organizei várias actividades com eles, o Rubervam até chegou a fazer o lançamento do seu mais recente livro “Espólio” com a receita das vendas doadas ao movimento Kuphaluxa.
Quem sabe um dia não sou eu a vir por aí e conhecer de perto essas terras em que o samba converge com a boa literatura?
Valdeck Almeida: Fale-me do Movimento Literário Kuphaluxa.
Eduardo Quive: Kuphaluxa, significa disseminar unidos com vários jovens em Maputo, na sua maioria conhecidos depois de um curso de Literatura Brasileira promovidos anualmente no Centro Cultural Brasil Moçambique (CCBM), decidimos criar o grupo para albergar sobre tudo leitores e amantes da literatura no geral, desenvolvendo várias acções para o desenvolvimento da mesma.
Um dos grandes desafios nossos, era a promoção da Literatura moçambicana na diáspora e estabelecer intercâmbio com escritores e organizações literárias dos países lusófonos, principalmente do Brasil, uma vez que viemos a nos sediar no CCBM.
E foi assim, hoje, graças ao nosso trabalho, nos apresentamos como uma esperança para as novas formas de fazer a literatura, seja através dos nossos próprios projectos e da nossa participação em outras acções.
O que fazemos, é manter o leitor a par dos livros que são lançados e que podem ter acesso, manter o leitor e o público junto dos escritores, organizamos rodas de leituras, debates e palestras nas escolas, entre outros eventos.
Mais informações sobre o Movimento Literário Kuphaluxa, acessar o site:
http://kuphaluxa.blogspot.com/