Dia do Poeta
Eu comemoro a vida, o momento, o pulsar do coração, o olho no olho. Relembro os antepassados, mas vou a cemitério somente para enterrar pessoas queridas. Prefiro o choro e a vela enquanto há tempo de pegar na mão, de abraçar e de sentir a reação do outro.
Para comemorar o Dia do Poeta (20/10), eu poderia tecer um texto com teoria literária, falar da imaterialidade, da transcendência, da licença poética, da arte poética, do grande legado de Castro Alves, Damário Dacruz, Waly Salomão, Amélia Rodrigues, Ana Cristina César... Comentar um texto clássico, enaltecer a língua portuguesa; citar Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Cora Coralina, Mário Quintana, Camões... Mas prefiro, como disse, falar do meu tempo, do meu lugar que é Salvador, e das pessoas que vejo e ouço.
Com todo o respeito, repito, à história, à memória, aos estudiosos e teóricos da linguagem e da arte. Mas vou pedir licença para falar de um homem-personagem, um poeta de carne e osso que perambula por nossa querida Salvador da Bahia. Este homem, guerreiro incansável, labuta diariamente no final de linha da Barroquinha, tentando vender pentes, zíperes e outras bugigangas. Apesar de aposentado, a ânsia por vida e por ver gente lhe faz sair todos os dias da Liberdade, bairro onde reside, para a liberdade das ruas, onde ele espalha luz, amor, fraternidade, paz!
Wagner Américo da Silva, "O Poeta das Flores", é um incansável senhor de 87 anos, que ainda trabalha para complementar a renda familiar. Nos dias de folga, declama poesias pela cidade do Salvador. Filho de baianos, ele nasceu no Rio de Janeiro, durante viagem de férias de seus pais. A família retornou à Bahia com o filho ainda pequeno, que adotou a Capital da Alegria como sua terra. Aqui se casou com Cleusa Ramos, com quem convive atualmente. Possuiu uma rede de armarinhos, mas desistiu para ter mais liberdade e mais tempo para se dedicar à poesia. “A riqueza do Wagner [a poesia] é intangível”, declara convicto de ter feito a escolha certa para sua vida.
As flores e o poeta
“Eu distribuía flores naturais, mas aprendi com uma senhora a fazer flores de fita de cetim”, fala orgulhoso. O apelido Poeta das Flores foi dado por Beni do Carmo, uma amiga. Daí em diante, Wagner não parou mais de declamar e ofertar flores numeradas. Já distribuiu mais de dez mil rosas e poesias. Em todas as datas comemorativas como Dois de Julho e Sete de Setembro Wagner se veste a caráter com beca, pasta executiva, chapéu e, na mão, um punhado de flores recheadas de poemas curtos, os quais ele declama em homenagem aos transeuntes. Em nome de todos e todas que se dedicam à poesia, rendo tributo a Wagner Américo. Este merece homenagens, todas as honras!
A TARDE, 14 de outubro de 2012, Caderno Populares, pág. 6