Valdeck Almeida de Jesus
O poeta da verdade!
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Ela era quase soteropolitana


Cabelos ruivos, olhos brilhantes e uma elegância singular. Enquanto folheava uma revista de decoração, seu perfume passeava pelo estande e chamava Zenóbio para perto. Sem perder tempo, ele foi pegando um livro aqui, outro ali e esbarrou, “sem querer”, naquela senhora. Pela textura da pele, deveria ter uns cinquenta anos e morava só. Ele já fizera toda a radiografia e sabia que nunca falhara antes.

- Desculpe, estava distraído com sua beleza, falou, galanteador.
- Nada, disse ela, deu um sorriso suave e voltou a atenção para as páginas da revista.

Em poucos minutos ele conseguira iniciar uma conversa e, dali, saíram em caminhada pela maior feira de livros da cidade. A conquista fora fácil. Ela tinha 55 anos, como ele previra. Foram a um café e depois saíram da bienal rumo a casa dela.

Um prédio elegante, de 22 andares, na região do Horto, com segurança 24 horas, rodeado por um belo e frondoso pomar, com árvores altas e bem cuidadas, cujos galhos balançavam suavemente, como os cabelos de Maria Antônia, quando do primeiro esbarrão na bienal.

Décimo sétimo andar. O mobiliário clássico denunciava altíssimo bom gosto e posição social de quem já conquistara vários degraus na vida e, agora, solitária, curtia seu quatro suítes nascente, com vista para um mar de prédios de luxo.

Na portaria, ela anunciou, visivelmente constrangida, que aquele senhor de 38 anos era seu sobrinho; precavida das falações de porteiro, gente que sabe da vida de todo mundo. Sua reputação não poderia ser abalada.

Após um jantar regado a vinho do Porto, ele a deixou exausta de carícias e sexo que ela não experimentava fazia anos. Após ela adormecer, ele vasculhou a residência, recolhendo tudo de valor que podia. Uma maleta executiva fora suficiente para colocar dólares, joias e algumas obras de arte que ele conhecia bem o valor.

O vento silvava como que dando aviso de que a visita teria que ser breve como sempre ela fazia e que era preciso deixar a bela em paz profunda. Ela ainda dormia, enquanto ele se banhava no chuveiro quente e pensava nos detalhes da despedida.

Ela continuou dormindo, serena, janela aberta, cabelos balançados pela leve brisa. Na portaria, ele apenas sorriu e o porteiro lhe abriu a saída. Com passos firmes, mas calmos e determinados, ele se afastou até não mais ser visto.

Maria Antônia não sofreu. A faca de cozinha lhe foi traspassada na garganta com tanta rapidez que ela apenas deu um leve e último suspiro e permaneceu imóvel, com uma sensação de sorriso estampada no rosto sem maquiagem, agora com mais sinais de sua ingenuidade, apesar dos anos já vividos como uma quase soteropolitana. O que ela mais precisava ele tinha lhe proporcionado: carinho, companhia e uma noite de amor que jamais seria esquecida.
 

Publicado no livro "Os sete pecados capitais" (Org: Miriam Sales), Salvador: Pimenta Malagueta, 2013.
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 20/05/2013
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