Valdeck Almeida de Jesus
O poeta da verdade!
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Sobre despedidas

Não lido bem com hora de partida, tchau, adeus, até logo... nem com velórios, embarques, sumiços. Pode ser um defeito da alma, um gene mal resolvido, trauma de infância ou maluquice surgida no percurso de minha passagem pelo mundo. O que sei é que não gosto de despedidas. Não suporto a ideia de ficar pra trás, não ir junto, não cair na gandaia com quem parte... É isso. É dureza pra mim. Mas a vida tem me colocado a prova todos os dias, com ameaças reais e imaginárias. Se não é um amigo ou amiga que se vai, é um vizinho ou conhecido que morre, alguém que passa por mim como relâmpago e parte para o infinito de infinitas possibilidades.

Talvez seja esta a palavra. Possibilidades. Tudo o que eu não tive na vida foi perspectivas. A cada dia era uma guerra para matar uma manada inteira de desejos nunca realizados. Desde o simples café com leite e pão sobre a mesa, até aquela roupinha de São João ou de outra festa típica do interior da Bahia. Mas nunca consegui me acostumar com a falta de estradas. Ao amanhecer, olhava para os lados, chorava ou engolia o choro e desejava em silêncio. Nem mesmo uma escrita para homenagear alguém que parte pode esperar. Esta é mais uma dessas horas em que eu paro e olho para trás e observo o roteiro que foi feito pela vivência. Nem toda trajetória eu desejei, nem todo atalho eu escolhi.

De tantas despedidas, uma das mais marcantes foi quando saí de casa para morar com uma mulher, com a qual me casei e, anos depois, me divorciei. Imaginava momentos de alegria, que não foram poucos, mas não contabilizava o dia a dia, a rotina, fazer feira, sair cedo pra trabalhar e não dar conta da tarefa de ser pai de família. Mas esta foi uma despedida dentro da própria cidade. Quando vim morar em Salvador, não pude resistir a voltar pra casa toda semana, percorrendo quase 400 quilômetros a cada sábado e domingo, sem descansar direito ou dormir sossegado, apenas para ter a presença da família por algumas horas.

Em junho de 2000 minha mãe partiu para outra existência. Eu estava em uma das tardias crises de adolescência, viajando e fazendo cursos no exterior o pelo Brasil também, tentando encontrar meu eixo de equilíbrio, o qual ainda hoje não sei onde começa e termina. No meio da viagem, sempre encontrava um tempo para ligar pra casa e saber de minha mãe. E eu não queria ouvir de terceiros, preferia falar direto com ela, para me certificar do ritmo da respiração, do compasso das palavras, da emoção. Eu fazia o diagnóstico sem perguntar a ela se estava bem ou não. Fazia arrodeios, pra não deixá-la tensa ou preocupada comigo. Ela preferia mentir que estava bem pra não me impressionar. Mas intuição de filho não falha.

Durante um curso de conversação em Madri, tranquei tudo, troquei a data do voo de retorno e parti pra casa. Errei o dia da viagem e perdi o avião. A VASP, ainda existia esta companhia aérea, me acomodou em outra empresa também extinta atualmente, a Aerolíneas Argentinas. No desembarque em São Paulo, minha bagagem seguiu direto pra Buenos Ayres. Cheguei a Salvador sem nada, apenas um celular sem o carregador. A notícia da morte de minha mãe veio de supetão, após dar uma carga de emergência no telefone. Aí foi uma despedida que doeu e ainda repercute até hoje. E fui forçado a me despedir de outra pessoa amada, meu filho Junior, que eu não tinha como cuidar sozinho. Minha irmã ficou com ele em Jequié.

Em minhas visitas semanais para ver meu filho, lembro-me de uma cena que ficou tatuada em meus olhos e na memória. Ele correndo pela rua, chorando, porque eu não podia trazê-lo comigo. Meu bebê devia ter uns três anos e poucos meses. E eu corria chorando, também, pela BR-116, dirigindo meu carro de volta a Salvador, morto de dor e dilacerado pela saudade e remorso. Tudo para o bem dele, que tinha casa, amiguinhos, primos e primas, minha irmã e o marido dela pra lhe dar atenção. E quando pisquei os olhos, se passaram dezoito anos. E, agora, é ele quem parte de minha casa, rumo à vida adulta, tentar a sorte em São Paulo, trabalhar, estudar, viver. Eu, pai coruja, fico olhando pra ele dormindo, nessa manhã de um sábado chuvoso, e rememoro cada despedida que tive nesta vida. E fico com os olhos e o coração marejados, pedindo a Deus que lhe guie os passos, a alma e o destino. 
Sem chuva no telhado, mas chovendo dentro de mim. E que não venham mais despedidas pra mim. Não tenho mais quase nada a perder! 
 
Salvador, 27 de junho de 2015
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 27/06/2015
Alterado em 27/06/2015
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