Valdeck Almeida de Jesus
O poeta da verdade!
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Minha paixão por livros
 
Por: Valdeck Almeida de Jesus
 
O primeiro contato com os livros foi aos seis anos, quando comecei a estudar. Na época, morava na periferia de Jequié com minha mãe, meu pai e três irmãos menores. Meu pai era analfabeto e trabalhava roçando os campos. Minha mãe, também analfabeta, era do lar. Miséria e pobreza sempre nos castigaram. Tínhamos tudo para não dar certo.
Felizmente as “letras” cruzaram minha vida. Ao chegar à escola, troquei os brinquedos rudimentares por cartilha, ABC e tabuada. Era um mundo fascinante e desafiador: os desenhos dos livros, a dança das letras e os segredos dos números. Quando a professora Lina lia as histórias de “Alice”, eu e Valquíria, minha irmã, ficávamos extasiados. “Viajávamos” na magia dos contos infantis e esquecíamos os problemas do dia-a-dia. Tive a sorte de ter contato com livros de uma forma lúdica, diferente do didatismo convencional que caracteriza as escolas. As lições de casa eram leitura e releitura do texto aprendido na classe. Sem o esforço da mamãe, esta tarefa seria impossível.
Tão logo comecei a dominar as letras, passei a devorar tudo que via pela frente: de bula de remédio a rótulos de xampus, de manuais de eletrodomésticos a jornais diversos, de revistas coletadas nos lixões a placas de trânsito. Quanto mais lia, mais fascinado ficava.
Com meu pai hospitalizado em São Paulo, minha mãe decidiu ir à luta para garantir a sobrevivência dos filhos. Arrumou trabalho numa fazenda distante. Tivemos que nos mudar. Eu ajudava minha mãe nos serviços. Apesar de não conhecer as letras, ela conhecia bem a dureza de não se ter estudo e matriculou os filhos na escola rural. Ensinei minha mãe a ler e escrever.
Na fazenda, pude ter acesso ao mundo dos gibis. Havia na sede um gabinete lotado de história em quadrinhos, que Dona Luci Valverde, a proprietária, me permitia freqüentar. Quando ela viajava, eu dava um jeito de entrar pela janela e pegar algumas revistas. Lia-as com avidez. Depois voltava para devolvê-las. Foi a melhor fase de minha vida: de um lado, a integração com a natureza; do outro, os gibis a povoar meus olhos e meu imaginário.
Foram cinco maravilhosos anos até retornar a Jequié para continuar os estudos e mergulhar de vez na literatura. O primeiro encontro com a poesia surgiu quando comprei uma série de três livretos de poemas. Foi um caso de amor. Enlouqueci com aquela nova linguagem, repleta de rimas, conotações e lirismo. Decidi ser poeta e comecei a rabiscar os primeiros versos. Depois veio o Cordel, e minha cabeça deu um nó: seguir as regras da construção lírica tradicional ou escrever livremente como os cordelistas? Para piorar, chegaram Augusto dos Anjos, Castro Alves e outros. Acabei perdendo o pudor em relação aos preciosismos e me libertei das formas cartesianas. A maturação deste processo levou-me a criar novos e intensos poemas. Poemas que retratavam desde as desgraças vividas aos desabafos de um jovem sufocado pelo sonho de mudar o mundo.
Na fase de militância estudantil e política, passei a ler e a escrever para jornais de luta operária, o que me abriu novos horizontes. Fui devorador de livros na Biblioteca Municipal de Jequié, que me inspirou a fundar uma biblioteca em casa e emprestar livros e revistas para a vizinhança.
Era um viciado. E viciei muita gente a descobrir que o mundo tem outras cores e dores, além das óbvias. Vivo para plantar a semente da leitura e da reflexão. Acredito que ler não é só decodificar signos. É muito mais. É decifrar o subliminar e as entrelinhas. É compreender a vida como um todo. Vejo o mundo como um complexo do qual sou parte e onde devo agir responsavelmente em relação a mim e a meu próximo. Guiado por esta visão, hoje não só escrevo meus livros como incentivo a criação literária pelo país afora. Com projetos de publicação de poemas de autores anônimos, palestras em escolas e universidades, sei que abro uma porta importante. O objetivo primordial da leitura é a transformação do cidadão na força motriz de seu próprio destino e do mundo.
 
Artigo publicado na revista Panorama Editorial n° 31, junho de 2007. Esta é a revista da Câmara Brasileira do Livro.
Autorizado reproduzir, desde que citada a fonte e a autoria.
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 27/06/2007
Alterado em 30/01/2014
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