Sarau da Onça e Grupo Ágape no Emergências
Os coletivos Sarau da Onça e Grupo Ágape, formados por jovens de Sussuarana, periferia de Salvador, participaram do evento internacional Emergências, promovido pelo Ministério da Cultura, que aconteceu de 07 a 13 de dezembro de 2015, no Rio de Janeiro.
Evanilson Alves, Maiara Silva, Sandro Sussuarana, Mateus Silva e Gleise Souza, poetas, rappers, socioeducadores, escritores e ativistas culturais, saíram de Salvador, no ônibus do Minc, diretamente para a Cidade Maravilhosa, para participar do encontro, que reuniu ativistas culturais de Brasil, Argentina, Uruguay, Paraguay e Bolívia, para tratar de emergências culturais, sociais, políticas etc. Valdeck Almeida de Jesus, jornalista e poeta, acompanhou a trupe para fazer a cobertura jornalística.
Partimos todos e todas do Campus Ondina da Universidade Federal da Bahia - UFBA, no sábado, 05 de dezembro, quando iria acontecer o Cidade das Cores, em que o Sarau da Onça e Grupo Ágape, dentre outros coletivos e artistas solo seriam homenageados. Quase trinta horas na estrada, o maior percurso foi de Salvador até a divisa com o Espírito Santo. No caminho, Gandu, Caravelas, no buzão da Águia Branca, com muita animação, sonos adiados, batuque, pandeiro, paradas para café e banho, e mais estrada à frente.
Na Cidade Maravilhosa, direto para o acampamento, montagem de barracas, todo mundo se ajeitando, se ambientando. Depois, um leque formidável de atividades, desde percursos culturais pelos arredores do Rio, apresentações no Centro Cultural Fundição e shows no Circo Voador, shows nos Arcos da Lapa, Centro Cultural Jongo da Serrinha, Quilombo Camorim etc. O que parecia uma maratona incansável se tornou um parque de diversões para os amantes das artes. O tempo encolheu e não deu para curtir tudo o que aconteceu, infelizmente.
Para Sandro Sussuarana, o Emergências foi um passo importante para tratar de assuntos relacionados não somente à cultura, política, diversidade, mas também para poder compreender que espaços como estes precisam ser ocupados com maior representatividade para o povo Negro, as mulheres, os povos indígenas; pautas tão emergenciais quanto a situação política que repercutem em todos os campos de atuação da sociedade civil, os movimentos sociais, pontos de culturas, mestres da palavra etc. E completa: “Para que esta representatividade venha a ser pautada não como "cotas", mas como obrigação, é preciso que ocupemos estes espaços e façamos as abordagens a respeito dos nossos direitos!”
Marcando Território no Emergências
Grupo Ágape declama e Sandro Sussuarana, do Sarau da Onça (Salvador-BA), media a mesa "Estética e Identidade da Juventude Periférica", organizada por Bruna Rocha, do Enegrescer, dia 10 de dezembro, dentro do Emergências, no Centro Cultural Fundição, com os convidados Andreza Silva, MUMBI; Sandra Soares, ENEGRESCER; Bruno Ramos, Liga do Funk; Viviane Sales, Poesia de Esquina; e Warley Alves, Batalha da Vila. É a juventude da periferia dando a voz e mostrando suas articulações artísticas e político-sociais para o mundo...
E as falas: a união entre as juventudes periféricas de origem nordestina e aquelas de origem afrobrasileira, residentes no sudeste, precisam se unir em pontos comuns para fortalecer a luta por empoderamento (Viviane Sales - Poesia de Esquina). Para Bruno Ramos (Liga do Funk), rappers e artistas periféricos devem lutar por outros espaços culturais e políticos. Andreza Silva diz que o feminismo deve ser uma luta articulada com a luta antirracista e antimachista, saindo da bolha e incluir outras lutas sociais. Andreza completa: o MUMBI nasceu para criar uma ponte entre o ativismo das redes (sociais) e o ativismo das ruas e alcançar as mulheres que não têm acesso a outros canais de empoderamento.
Samira Soares - Enegrecer, fala sobre a estética da mulher negra: no mercado não havia produtos específicos para o cabelo e pele de mulheres negras, sem precisar passar pelo processo de alisamento, o que é muito doloroso, porque o racismo nega a beleza da negra. “Hoje eu me afirmo em todos os espaços em que vou, porque através da estética eu me afirmo e luto contra o racismo”. Continua: "A gente luta pelo empoderamento da criança, pois é a partir da infância que o homem e mulher negros são impedidos de se sentirem lindos e empoderados".
O questionamento da plateia do bate papo é recorrente no Emergências: o lugar do negro nas mesas principais, a presença da mulher e, em especial da mulher negra, nos movimentos sociais e oficiais que estão em debate nesse encontro. Outras minorias também reclamam seu lugar de fala como as mulheres e homens trans e travestis.
"A partir do momento que a jovem negra ou o jovem negro compreendem a estrutura do racismo, ele e ela já começam a lutar contra isso. Acredito que a estética é o inicio nessa luta e a gente, enquanto juventude negra, precisa participar e desconstruir tudo isso que a gente vivencia" (Samira).
"Eu quero ter melhores condições de vida para mim e para a sociedade em que vivo. A gente não fala de diferença social. Existe gente que não tem nada, que não jantou ontem. Por outro lado, produzimos muita riqueza, pré-sal etc. Nossa riqueza é muito mal dividida. Temos que fingir que não existe diferença social. Temos que colocar esse debate em evidência, botar na pauta do Emergências". Convocação: "Temos que fazer mais conexões, pra juntar os saraus, a galera do funk e todo mundo numa rede para incluir todos e todas" (Viviane Sales - Poesia de Esquina).
"Os manos do funk precisam abrir mais espaços para as minas e se aliarem à nossa luta contra a opressão machista e pela luta feminista. Eu ainda me pego em contradição e espaços como este são importantes para ampliar o debate" (Andreza Silva - MUMBI).
"O racismo dentro do Hip Hop é velado. Não sou negro nem posso falar pelo movimento negro, mas encampo a luta, pois sou humano. O fato de os Estados Unidos terem um presidente negro, não significa que Obama é aliado da luta dos negros, mas a presença dele empodera a luta dos manos e manas do Bronx e da cultura negra. A gente não pode se esquivar dos espaços, pois apesar dos equívocos existentes nos espaços de discussão, negros e negras precisam entrar para raquear e mudar, de dentro pra fora" (Warley Alves - Batalha na Vila).
"Bruno Ramos, da Liga do Funk: "As dúvidas sugeridas nos questionamentos relativos ao Funk e ao Hip Hop, inclusão e exclusão, não serão resolvidas por respostas somente minhas, mas por todos nós, numa luta em conjunto, pois somos parte do problema que está aí, mas as portas estão abertas, inclusive temos uma diretoria de mulheres, não porque somos bonzinhos, mas porque as minas são competentes e precisam estar juntas conosco na nossa luta".
Ao fim e ao cabo, a vontade de permanecer e de lutar mais, porém a estrada já chamava a todos e todas para seus destinos originários. E os sonhos, conexões, intercâmbios viajaram junto com cada participante, cada qual com um sonho e um projeto na cabeça e na alma. Quiçá todos os sonhos se concretizem e que no próximo encontro possamos compartilhar mais e mais experiências de vida. A democracia sai reforçada do Emergências, que foi o palco principal para a confraternização e afirmação das diferenças.