Fome de Democracia
Nasci na fome de democracia:
Enquanto meu estômago roncava,
fuzis também roncavam ceifando vidas.
Fruto da desigualdade social,
meu alento era a esperança,
o sonho da felicidade na eterna eternidade...
Mãe paraplégica, pai trabalhador braçal,
não tive casa, como abrigo, mas tive mais que isso:
o amor maternal.
Pais analfabetos, com eles aprendi:
mais importante que as letras é o afeto.
Tive irmãos abortados ou perdidos,
mas sobraram mais sete, oito comigo.
A boca da fome me comia todo dia,
levando pra longe a gana de vida
e esperança que viraram utopia.
Brinquedo e comida, eu achava no lixo,
roupa, livros, sonhos, eu achava no lixo.
E pra não ser prolixo, paro por aqui.
Mas não posso parar de enumerar
os eternos tormentos que senti.
Pra festinha de aniversário nunca fui convidado.
Afinal, quem queria na sua casa um menino
esfomeado, magro, buchudo, mal vestido,
desnutrido, perebento e favelado?
Novela, desenho animado e Sítio do Pica Pau Amarelo,
tudo isso pode ser singular,
pra quem não precisa se pendurar na janela do vizinho,
com os pezinhos balançando e sem chinelo.
Roupa de aniversário? Como, se minha mãe
pedia esmola e não ganhava salário?
Água encanada e luz elétrica era luxo pra poucos.
Em minha casa o luxo era quando havia café da manhã
e um osso para o almoço.
Natal e Ano Novo eram datas esperadas, pois era o tempo de fartura,
enquanto poucos se locupletavam no mercado da usura.
Mas nada disso me dói mais. Não superei,
mas deixei adormecido.
O que me machuca hoje e provoca o pranto,
angústia e no peito uma dor,
é ser igualado com os herdeiros da opulência, com aqueles que enriqueceram
explorando o nosso povo e a nossa consciência.
Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2015
Acampamento do Emergências
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 16/12/2015