Me resta pouco tempo de vida
Estou fazendo os planos para o meu desvelório. A partir da aproximação dos cinquenta anos de idade, comecei a pensar em quanto tempo ainda me resta até a morte total. Pra iniciar o processo, vou chamar cada aniversário de “desvelório”, o que eu traduzo como contagem regressiva para o funeral. Independentemente de ter ou não uma doença grave, um disgnóstico de degeneração física e/ou mental acelerado, histórico familiar de envelhecimento precoce, doenças genéticas ou que tais, ninguém escapa vivo do planeta. Resta-nos aceitar, por bem ou por mal.
Nas minhas contas, se eu não adquirir nenhuma síndrome nos próximos dias, viverei, com alguma qualidade de vida, mais uns quinze anos. Nesse passo, chegarei aos sessenta e cinco, idade em que quase ninguém tem vida sexual ativa nem passiva, ou seja, tanto faz se sobe ou se não sobe, o que importa é que a libido desce a ladeira acelerada.
Restam os prazeres da mesa, mas nem tudo se pode comer nessa jornada rumo ao caixão. Sobram, ainda, outras alternativas, como viagens, passeios, diversões em piscina com professor de ginástica hídrica, para quem pode pagar. Meus saldos de vida e de banco podem me dar um pequeno alento, nesse sentido, se a conta não for destinada inteira para remédios e exames com gerontologia e geriatria. Não sei se a disposição física, popularmente conhecida como “saúde”, vai ser favorável. Mas rezarei para isso.
Nas contagens positivas, ainda tenho alguns poucos amigos (vivos), vou contabilizando mais alguns ao longo da jornada. Irmãos e irmãs tenho treze, seis deles na faixa dos sessenta e tantos, com esses últimos não posso contar muito para chegarem ao pódio, mas posso esperar dos primeiros que alguns consigam me acompanhar, isso se eu não for antes deles. Mas é uma esperança. E essa, é sempre a última que morre.
Em relação a trabalho, sustento, posso sonhar em ir até o fim da vida com um ganho que pague os remédios e exames próprios da terceira idade, mesmo que sejam financiados em suaves prestações. Não tenho doenças de pressão – pelo menos até agora -, nem sofro, ainda, dos males da velhice. Minhas mãos ainda escrevem e meus olhos, mesmo usando óculos, ainda enxergam perfeitamente.
Me sobraram alguns fios de cabelo. Aliás, eles têm sido motivo de polêmica e de incômodo (para as outras pessoas), ultimamente, pois deixei crescer tanto cabelo quanto barba. Por conta disso, tenho colecionado apelidos, alguns elogiosos e outros discriminatórios como lobisomem, cabelo feio da porra (só falta botar dreads), barba feia, barba horrorosa, terrorista do Estado Islâmico, cientista maluco, tá com jeito de escritor, tira porque poeta não tem barba, tá feio, ficou mais velho, ficou mais jovem, tá lindo, agora que cresceu ficou lindo, é moda, você é bonito mas essa barba..., parece outro homem, parece um Apóstolo, vai virar Papai Noel, seu visual está ótimo, você saiu dos Dez Mandamentos, veio da Floresta Encantada, pertence ao Talibã, parece Beato Salu, virou Mulçumano, pode fazer o papel de Jesus porque parece mais com o tipo árabe, funcionário novo no setor, parece que estava preso, tá com cara de artista, parece um cineasta, e por aí... O problema, como visto, não é só de velhice ou falta de dinheiro, é o enquadramento que as pessoas querem forçar.
Não me preocupo com planos de saúde, de morte e de enterro. Só planejo a vida. Para a morte, deixo que os vivos cuidem de tudo. Então, quase nada a reclamar. Agora é seguir a rotina, de vez em quando me surpreender com alguma maluquice, viagem sem destino ou aventura louca e esperar a contagem regressiva. Afinal, ninguém sai vivo desta. Por isto, o melhor é tentar aproveitar da melhor forma possível.