Por Thiago Marinho
Jean Wyllys foi um marco na TV Brasileira para o público de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transsexuais e Transgêneros - GLBTT. Vencedor da 5ª edição do reality-show Big Brother Brasil (TV GLOBO), em 2005, assumiu sua sexualidade em rede nacional, e principalmente mostrou a todo o país que o "mundo gay" não é feito apenas de futilidade, e sim pode ter conteúdo.
Mas Jean é muito mais que isso. Jornalista e escritor de grande sucesso, já se aventurou por todas as vertentes que a comunicação pode explorar, e ainda quer mais. Foi repórter do Programa "Mais Você" da Rede Globo, tem uma coluna mensal na Revista "G Magazine", foi roteirista do útimo show da cantora maranhense Rita Ribeiro e está preparando um documentário sobre transformismo "Estrelas do Bas-found".
De Alagoinhas/BA, cidade distante, 107 km de Salvador, Jean sempre foi uma criança dedicada aos estudos. Estudou na Escola Maria José Bastos e no Polivalente, ambas em Alagoinhas, onde sempre foi destaque. Trabalhou vendendo algodão-doce, depois numa gráfica da cidade para ajudar a família e também prestou serviços como office-boy na Caixa Econômica Federal por dois anos, ainda em Alagoinhas. Especializou-se em cultura brasileira e baiana. Vencedor do Prêmio Copene de Cultura e Arte, em 2001 lançou seu primeiro livro de contos, Aflitos, pela Fundação Casa de Jorge Amado.
O jornalista esteve em Fortaleza no mês passado, mais precisamente em 22 de junho, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, no encerramento do ciclo de palestras que faziam parte da programação da VIII Parada pela Diversidade Sexual do Ceará. Em entrevista ao Portal ZONAMIX, Jean falou sobre fama, movimentos GLBTTs, e deu ênfase a essa nova fase de sua vida, onde mostra várias "facetas" de atuação na comunicação.
Confira a entrevista na íntegra:
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Jean Wyllys: As mudanças que existem entre ser gay há dez anos e ser gay hoje são frutos mais da luta dos grupos de homossexuais organizados e de gays que dão "a cara a tapa" e menos de uma mudança na sociedade. Se a sociedade mudou, mudou porque foi pressionada pelas ações desses grupos e pessoas. Ela não muda gratuitamente: ao contrário, seu movimento é sempre de se conservar como é. Há dez anos eu já era gay assumido e, logo, posso dizer que as conquistas, de lá para cá, não são muitas: em se tratando de política, há o crescimento das paradas do orgulho gay - com todos os efeitos colaterais que esse crescimento traz - e o projeto de lei que criminaliza a homofobia; em se tratando de representação na mídia, há o fato de eu ter aparecido e de permanecer nos meios de comunicação como um homem inteligente, digno, carismático e querido.
ZONAMIX: Na sua opinião a mídia brasileira caracteriza corretamente o homossexual no país? Existe uma preocupação maior com estereótipos ou com a realidade?
Jean Wyllys: É difícil responder a essa pergunta sem cair num discurso acadêmico e, portanto, chato, Mas, vamos lá. Não existe uma forma "correta" de caracterizar "o homossexual". Primeiro porque existem homossexuais (assim, no plural) e, sendo assim, existe uma diversidade de práticas e comportamentos homossexuais. O que acontece é que a mídia se fixa apenas em certas características e comportamentos e os cristaliza, fazendo parecer que só existem essas características e comportamentos. É isso que é o estereótipo: a redução da diversidade a um modelo cristalizado e imutável. O que a gente quer - e eu imagino que você, Thiago, também queira - é a representação na mídia de outras características e comportamentos que não aqueles cristalizados no estereótipo. Queremos que, além da bicha afetada dos programas de humor e dos programas de auditório (sim, pois não é só no Zorra Total e no Pânico que há bichas afetadas, misóginas e fúteis; no programa de Raul Gil apareceu algo constrangedor chamado de "Professor Sabichona"), apareçam homossexuais assumidos respeitados, inteligentes, bonitos e com opinião. Queremos que, além de Leão Lobo - que encarna o homossexual ferino e fofoqueiro -, existam jornalistas homossexuais com credibilidade e informações de interesse público. Portanto, não se trata de discutir se o estereótipo é negativo ou positivo. Trata-se de tornar o estereótipo produtivo - como se faz nas paradas gays - e lutar por novas representações de homossexuais na mídia. Acho que os autores como Agnaldo Silva e Gilberto Braga, que, além de serem referências positivas, constroem personagens longe dos estereótipos; o escritor João Silvério Trevisan; o cineasta Luís Carlos Lacerda e eu mesmo já contribuímos para a diversidade, mas queremos mais.
ZONAMIX: Atualmente estamos vivendo um período onde os folhetins de novelas estão dando maior espaço a personagens gays. Como você analisa a abordagem desses autores?
Jean Wyllys: De uma forma geral, eu gosto da abordagem. Os autores da Globo são ousados em criar personagens que, de forma tímida ou não, representam a diversidade dos comportamentos homossexuais. Digo "de forma tímida ou não", porque já houve representações muito ousadas, como a que aconteceu em A Próxima Vítima, de Sílvio de Abreu, em que os adolescentes bonitos, honestos, inteligentes e nada afetados Sandrinho (André Gonçalves) e Jéferson (Lui Mendes) se apaixonaram e foram aceitos pela família; sem falar que um deles era negro e o outro, branco. Aliás, soube que Thiago Santiago, autor da Record, vai colocar em sua nova novela, Caminhos do Coração, um par gay também formado por um negro e outro branco. Outra representação ousada foi a paixão doentia de Mário Liberato (Cécil Thiré) por Renato Vilar (Tarcísio Meira) em Roda de Fogo, de Lauro César Muniz. Nessa novela, houve uma cena em que Mário se esfrega na cama de Renato e beija seu travesseiro. Agnaldo Silva ousou bastante ao criar uma história de amor entre a médica Leonora (Milla Christie), que era competente, honesta e bonita, e a patricinha Jennifer (Bárbara Borges), quase a mocinha da novela, que era Senhora do Destino. Por outro lado, há representações tímidas, como essa da novela Paraíso Tropical, de Gilberto Braga. Mas, entendo que, nem sempre, os autores podem avançar. Há muita coisa em jogo: desde preconceito e medo por parte dos executivos da tevê até pressão de anunciantes.
ZONAMIX: Você assumiu sua orientação sexual em rede nacional [durante o Big Brother Brasil, Jean Wyllys acusou seus companheiros de confinamento de homofobia, ao ser indicado ao "paredão" com votação recorde]. Como sua família reagiu com essa declaração, e hoje como seus parentes lidam com a sua fama?
Jean Wyllys: Posso dizer que minha família reagiu bem se eu levar em conta o fato de que nasci numa família do interior da Bahia, portanto, com os valores morais e os preconceitos típicos de uma família nordestina, interiorana, católica e pobre. Minha mãe e meus irmãos não deixaram de me amar quando assumi minha orientação sexual, mas, é importante dizer que eu assumi quando já morava fora e era arrimo de família. Talvez se eu assumisse quando ainda morava na casa de minha mãe e não a ajudasse financeiramente nem a meus irmãos, a história fosse outra. Mas não posso viver de hipóteses. A verdade é que, quando assumi minha orientação no reality show, toda minha família já sabia e me respeitava e amava mesmo assim. Antes de me tornar famoso em todo Brasil, eu já era uma referência, em minha família, de determinação, bom-senso, inteligência, discrição e sucesso. A fama não alterou a forma de minha família me ver. A gente não é deslumbrado.
ZONAMIX: O homossexual masculino é colocado pela própria mídia GLS como um ser "erotizado", sempre a caça, pronto para atacar. Seja em alguns sites, onde o conteúdo erótico é gigantesco, ou em mídia impressa e na televisão. Qual a sua opinião sobre esse tipo de imagem que os próprios comunicadores do meio GLS impõem?
Jean Wyllys: Se os sites que promovem encontros e sexo anônimo ou os de conteúdo pornográfico, bem como as revistas de nu masculino ou de sexo explícito, atraem um enorme contingente de homossexuais, assumidos ou não, ao contrário de publicações mais "sérias", não podemos considerar "os comunicadores do meio GLS" uns equivocados. Não, eles não são equivocados. Se há oferta, é porque há demanda. Se Ana Fadigas experimentar retirar o nu da G Magazine, a revista acaba. Lembre-se, por exemplo, que a Suigeneris [revista voltada ao público homossexual que não apresentava nu frontal] não conseguiu se sustentar oferecendo apenas cultura em geral para gays, lésbicas e simpatizantes. A maioria dos gays é, de fato, sexual e hedonista. Que se há de fazer? Esperar que essas mídias representem também os gays que não são tão sexuais nem hedonistas.
ZONAMIX: Existe um movimento de intelectuais no Brasil que discordam de movimentos como: Parada Gay e Beijaço, pois eles acreditam que esse tipo de movimentação não atua na conscientização da sociedade? Qual a sua opinião sobre esses movimentos?
Jean Wyllys: Bom, eu gosto das paradas. Acho que elas apontam o caminho das manifestações políticas na contemporaneidade, que se caracteriza pelo excesso de informações e imagens e pela valorização do espetáculo e do entretenimento. Gosto das paradas. Elas fazem a política da existência e da afirmação positiva. E isso ajuda, sim, na "conscientização da sociedade"; pelo menos na conscientização de que existem gays - e não são poucos - e práticas sexuais outras que não só a papai-e-mamãe. Se as paradas não são mais eficazes politicamente é porque seus organizadores não sabem usá-las como moeda na hora de negociar os direitos no parlamento. Claro que o crescimento das paradas têm efeitos colaterais nocivos para a própria comunidade, como por exemplo, os roubos, assaltos e espaçamentos que têm vitimado os gays que se dispõem a participar do evento. Isso é péssimo e é um absurdo! Mas, cabe aos organizadores exigir segurança pública e desenhar o evento de modo que ele se torne mais atraente para a comunidade GLBTT e menos para o público em geral. Em outras palavras, priorizar a qualidade da parada e não a quantidade de pessoas que podem participar dela.
ZONAMIX:. Como foi a sua experiência no programa "Mais Você", onde você atuava como repórter?
Jean Wyllys: Foi boa por um tempo. Pedi para sair porque não estava mais feliz fazendo aquilo. E meu trato é com a felicidade.
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Jean Wyllys: Minha participação no Big Brother Brasil me deu dinheiro, mostrou meu talento e carisma para um número maior de pessoas e abriu algumas portas em se tratando de minha formação como jornalista, comunicador e escritor. Mas isso só foi possível porque sou talentoso, carismático, batalhador, consciente de meu potencial e de minhas limitações. E falo sem modéstia, sem medo das críticas! Não é com qualquer um que isso acontece ou vai acontecer. Antes de participar do reality show, eu já tinha uma vida estruturada, fruto de meu trabalho; e já tinha prestígio, fruto de uma carreira bem-sucedida como jornalista e professor universitário, sem falar que já havia estreado bem na literatura. A participação no BBB ampliou meu raio de ação e oportunidades. Aliás, foi pensando nessa ampliação e em provocar meus colegas elitistas da academia que me inscrevi no reality show. Como todo profissional, eu quero sucesso. E sucesso não é nada mais que fazer o que você gosta, viver disso e um número maior de pessoas prestar atenção. Nesse sentido, todos querem sucesso: o médico, o pintor, o artesão, o escritor, a cabeleireira e etc. A fama, em si, não me trouxe muita coisa boa. O fato de ser famoso me faz objeto da admiração de gente boa ou bem-intencionada (os meus fãs!), mas, como a gente vive num tempo em que as pessoas são obcecadas pela fama, o fato de eu ser famoso me faz mais alvo da inveja de gente rancorosa, maledicente, mesquinha e incompetente. Embora essa inveja não me derrube, pois a luz que guia o meu dia não guia essa gente fracassada e de alma bem pequena, é desgastante e incômodo você ser alvo de uma energia desse tipo, pois, tenho de evocar a toda hora as entidades espirituais que me protegem. Tenho que pedir a Exu que fique de sentinela; tenho de usar o escudo de Ogum para me defender; a flecha de Oxóssi para atacar os inimigos; e o espelho de Oxum para cegar os olhos gordos. Não adianta vibrar contra mim que sou protegido, mas saber que alguém se dispõem a vibrar contra outro, já é desgastante. Nesse sentido, a fama é chata. Além disso, o fato de ser famoso me torna alvo de mentiras e maledicência muitas vezes mobilizadas por medos inconfessos. Recentemente alguém me contou que Leão Lobo, naquele programa que ele apresenta às tardes e que se ocupa de falar da vida das celebridades, falou absurdos contra mim, mentiras deslavadas e maldosas. Bom, eu não vi porque não perco o tempo assistindo a um programa desse tipo; a vida é muito curta pra isso; eu não sou audiência para o rancor. Não vi, contaram-me, por isso, e pelo fato de ele não ter credibilidade, eu não movi um processo contra ele. Mas, se houver mais mentiras e ofensas, vou processá-lo sim, para que ele haja como jornalista de fato, apure as informações antes de sair ofendendo e derrubando as pessoas (e olha que estou partindo do fato de que ele recebeu informações mentirosas, pois, ele pode, simplesmente, estar mentindo; por razões que só o medo da concorrência e a insegurança explicam). Em resumo, não gosto da fama por si só; tenho pavor dela e me recuso a alimentá-la: não faço presença vip, só vou a festas e shows que eu possa pagar ou, em caso de convite, que sejam de meu interesse; só dou autógrafos em pedaço de papel para crianças (e, ainda assim, constrangido e envergonhado) e só dou entrevista e participo de programa de TV se eu tiver o que dizer ou se o tema tem a ver comigo.
ZONAMIX: Foi noticiado nos meios de comunicação que você está dirigindo um documentário, "Estrelas da Bas-fond". Qual o assunto abordado no filme? E como está sendo ter essa nova experiência em cinema?
Jean Wyllys: Eu coordenei um núcleo de produção de documentários nas Faculdades Jorge Amado: o Núcleo de Mídia e Cidadania. Não estou fazendo nada que não saiba. Não sou cineasta. Sou jornalista e uma das coisas que jornalista faz é documentário, desde que disponha de recursos e tenha uma boa idéia. E isso eu tenho, graças a Deus. Meu documentário - o primeiro fora do âmbito das Faculdades Jorge Amado - é sobre transformismo. E estou em fase de captação das imagens e realização das entrevistas. Ele não tem prazo para ficar pronto, pois, é algo que faço mais para mim e para os meus que para os outros ou para o mercado. Assim que ficar pronto todos saberão.
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Jean Wyllys: A Igreja são pessoas... Tenho uma preguiça enorme de falar desse assunto. Já falei o suficiente no debate da MTV. Mas, posso acrescentar, que religião que não se transforma nem se adapta, morre. Minha preocupação é maior em relação aos neopentecostais, que, apesar de fundamentalistas, sabem absorver os signos de outros credos e convencer a muitos que eles precisam da "salvação".
ZONAMIX: Qual o tema abordado em seu próximo livro, e quando acontece o lançamento?
Jean Wyllys: Ainda não posso falar. Mas posso dizer que, mesmo não concordando com o marketing equivocado da Editora Globo, que promoveu Ainda Lembro como se ele fosse um livro sobre o BBB (o que me levou a adiar bastante o lançamento de meu novo trabalho), reconheço que o fato de Ainda Lembro ter vendido bastante ajudou a editora a publicar trabalhos de escritores que, embora laureados pela crítica, não vendem nada ou só vendem para sua meia dúzia de amigos. Não sei se meu novo livro vai vender tanto quanto Ainda Lembro.
ZONAMIX: Além de escritor, você ainda acumula as funções de diretor de documentário, colunista (G Magazine), e foi repórter (Mais Você - TV Globo). Para você qual profissão te dá mais prazer?
Jean Wyllys: Thiago, tudo que faço e que você citou é parte da profissão que escolhi, na qual me especializei e que me dá prazer: eu sou jornalista.
ZONAMIX: Qual a sua opinião sobre a declaração do Deputado Federal e Estilista, Clodovil Hernandez, falando que não tem orgulho de ser gay no Brasil?
Jean Wyllys: Pior pra ele.
ZONAMIX: Você participou do encerramento dos seminários da Parada Gay de Fortaleza. Quais foram as suas impressões do evento, e com relação a cidade de Fortaleza e os movimentos GLBT´s?
Jean Wyllys: Adorei Fortaleza e me surpreendeu a organização dos gays e lésbicas na cidade. Há muita gente consciente e militante e isso me surpreendeu. Destaco Orlaneudo, Rogério, aquela garota bonita que trabalha na Prefeitura, esqueci o nome dela agora, e você (Thiago). Gostei de ver o envolvimento do poder público na parada. E louvo a existência do ZonaMix. Espero voltar em breve. Ou para trabalhar ou para passear ou para as duas coisas.
Mais informações sobre Jean Wyllys:
Site: www.jeanwyllys.com.br
Contatos e palestras: (21) 7814.6679 ou 2484.3866
Publicada originalmente no site Zona Mix, Fortaleza/CE: www.zonamix.com.br
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 12/07/2007
Alterado em 12/07/2007
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