Os escritores Semírames Sé, Douglas de Almeida e Valdeck Almeida de Jesus voaram, literalmente, com as asas da poesia, de Salvador para a Colômbia, a fim de participar do XX Festival Internacional de Poesia de Cartagena das Índias (01 a 05.12.2016), sob a batuta do poeta Martin Salas Vivas e sua esposa Claudia Silgado. Horas e mais horas de voo, pulando de aeroporto em aeroporto, atrasos, comida enlatada, tudo isso vale a pena quando a alma não é pequena.
E a grandeza da poesia suplanta qualquer fronteira, arranca qualquer tranca e invade mentes e corações. Assim foi a experiência dos três jovens vates soteropolitanos. Desde a abertura do festival, no badalado Teatro Adolfo Mejía, com apresentações de vários escritores, leituras, declamações e vivas à poesia, ao jantar a luz de velas, regado a conexões intercontinentais, a yoga na praça, corrida literária, poesia para mamães grávidas e lactantes, nada foi cansativo ou desestimulante. Ao contrário, a cada encontro com novos leitores e amigos, a carga de energia se renovava. Assim foi na prisão feminina, onde dezenas de olhos e ouvidos ávidos por amor e carinho, encontraram na trupe seu oásis predileto.
Em homenagem a Damário Dacruz, primeiro poeta baiano a pisar o solo cartagenero, Semírames, Valdeck e Douglas fizeram uma exposição de livros de todos os antecessores visitantes, expuseram camisetas de coletivos com o Sarau da Onça, Grupo Recital Ágape, Poesia em Trânsito e ArtPoesia, além de fotos do coletivo Poesia Além das Sete Praças. O ponto alto foi a declamação, com textos autorais e de outros artistas da palavra, claro, sem faltar “Todo Risco” e outros escritos de Damário. De poesia em português, em espanhol e em ‘portunhol’, não faltou nada.
E as asas das meninas do cárcere cresceram e as levaram longe, longe, a um lugar onde moram os sonhos. Muitas delas se animaram e recitaram, leram, declamaram, cantaram, numa verdadeira declaração de amor à palavra. A coragem levou uma interna a dizer que era analfabeta, mas que queria um livro de poemas para começar a aprender a ler, e recebeu um brinde de Valdeck, que ganhou o dia... Outras delas apresentaram seus primeiros escritos, pediram fotos e autógrafos, levaram livros e revistas de presente. Dentre as obras, “MetaPoemas e outros temas”, de Semírames Sé, “Vinte Poemas de Amor e uma Crônica Desesperada” e “Ruta 66: Amores y Dolores de un Poeta”, de Valdeck Almeida de Jesus, além das revistas Cotoxó, do editor jequieense Domingos Ailton, “Òmnira”, de Roberto Leal, e “Quilombo”, editada por Ivana Sena, ambos de Salvador-BA.
E o sonho que não se sonhou só, virou o sonho de todos e todas. A realidade foi concretamente demonstrada num abraço coletivo e pedido de que voltemos para mais e mais solidária demonstração de amor e fraternidade. Para um mês de dezembro, em que presentes são cada vez mais raros, ganharam todos e todas, que saíram plenos e prenhes de paz e amor.
Quando pensávamos que estava na hora de arrumar as malas, apareceu uma programação surpresa: visita aos bairros Patere, Paulo VI e Loma Fresca, onde quase cem crianças são atendidas por projetos sociais do ativista Harrold Herrera. Emocionante ver o esfuziante movimento, risos, corre-corre, pinta daqui, pinta dali, tinta virando sonhos, desenhos, desejos. E a PAZ, estampada em quase cinquenta metros de papel estendido no chão. As mãozinhas vibravam com pincéis e cores, criando um novo mundo para todos. Após algumas fotografias, Valdeck se arriscou a um papo em espanhol e não aguentou de emoção ao ouvir um dos meninos definir paz: “quando dois amigos estão de mãos dadas... quando não há luta... quando não há guerra”... e as lágrimas jorraram, poesia concreta no concreto do piso da rua estreita de Loma Fresca, periferia de Cartagena das Índias...
Asas à imaginação, asas da poesia, criando oportunidades e alimentando sonhos e utopias. A arte encontra sua prática tátil em ações tão simples, mas que catapultam o espírito para onde ele quiser viajar...