MANIFESTO DO BANDO DE TEATRO OLODUM
Nestes 28 anos de trajetória, o Bando de Teatro Olodum vem tentando sempre, de forma artística, e muitas vez ativista, travar um diálogo com a sociedade para a gente melhorar nossas feridas, o racismo, o machismo, a homofobia, a intolerância religiosa e tantas violências geradas por esses preconceitos, que ainda permanecem em nosso país. Diante do que aconteceu com o ator Leno Sacramento e com o cenotécnico Garlei Souza precisávamos nos posicionar. Esse é um posicionamento difícil, porque o debate é urgente e parece que existe uma solução fácil. E parece que existem lados.
Na nossa percepção, os dados que vemos todos os dias e a realidade de muitos de nós em nossos bairros, nos deixam apreensivos, não somente como artistas, mas também como cidadãos. Essa carta é, sim, de pessoas que trabalham com arte, mas que também são cidadãos como todos aqui presentes.
E entendemos e percebemos na pele, no dia a dia, como a sociedade sofre toda essa violência. A relação entre a polícia e a sociedade civil está esgarçada. A Política de Segurança Pública do País falhou. O aumento constante dos assassinatos e a sensação geral de insegurança são prova disto.
Temos a Polícia que mais mata e mais morre no mundo. Qual o nome adequado para definir isso que estamos vivemos? É guerra? É assim que devemos assumir, já que superamos em número de mortes, países declaradamente em guerra.
Policiais que também muitas vezes moram em comunidades, recebem uma remuneração inadequada e que, no dia a dia do trabalho, acabam adquirindo e se habituando a práticas que aumentam o sofrimento das famílias dos polícias e das famílias das vítimas da violência, que muitas vezes também são policiais.
Precisamos fazer perguntas. E a pergunta que fazemos é: como um profissional que trabalha para o bem da sociedade, chega a esse ponto de cometer tamanha barbárie? Como atirar de forma irresponsável, em um local de grande movimento de pessoas, em dois cidadãos que passavam de bicicleta. Além de Leno Sacramento e Garlei Souza, quantas outras vítimas inocentes poderiam ser atingidas por essa ação desastrosa? Como se sente alguém que está na linha de tiro?
Quantos jovens negros são vitimados diariamente desta mesma forma?
Precisamos falar sobre isso. E a responsabilidade é de todos os órgãos que trabalham com Segurança Pública. Não é responsabilidade de apenas um policial, nem de uma única instância pública.
É de todo um o sistema de segurança, de todo o governo e também da sociedade civil, que deve se perguntar qual a polícia que quer.
São os policiais que precisam refletir sobre suas práticas e suas condições de trabalho. São os governantes que precisam pensar de forma responsável a segurança Pública, dialogando, reconhecendo erros, e buscando exemplos ao redor do mundo, em locais que enfrentaram os mesmos problemas, mas alteraram a relação entre a sociedade e a polícia.
Através da arte, o Bando de Teatro Olodum vem abrindo uma porta para essas questões. Desde o primeiro espetáculo, Essa é a nossa Praia, em 1990, abordamos a questão da segurança, questionando a
conduta policial frente à comunidade negra. Abrimos outra porta, em 2002, com o espetáculo Relato de Uma Guerra que não Acabou, quando abordamos as diferentes facetas da greve da polícia militar da Bahia e da política de segurança Pública do Estado. Quase 20 anos se passaram e continuamos dizendo que Essa Guerra Ainda Não Acabou. O próprio Leno Sacramento, atualmente, faz uso do seu corpo e voz, por meio da sua arte, provocando a todos para o debate as Encruzilhadas que nos encontramos.
Estamos abrindo portas, mas a arte tem limites. Essa carta é um chamado à responsabilidade de todos.
Estamos aqui, expostos diante de vocês, para dizer: Isso não pode ficar impune, e a responsabilidade é de todos. Não apenas por Leno Sacramento e Garlei Souza, mas pelos negros e negras, jovens ou não, que sofrem a violência do racismo diariamente. Dias após dia, nestes conflitos, passando por tanto medo.
Salvador, 14 de junho de 2018
Bando de Teatro Olodum