Intercâmbio Cultural na rota da poesia colombiana
Quando pensamos em viajar em férias, para eventos culturais ou simplesmente para fazer um intercâmbio, o pensamento adestrado logo coloca traves no caminho, e nossos olhos só enxergam o Velho Mundo, colonizado, como se o melhor não estivesse aqui, no Brasil e nos seus vizinhos. Separados no parto que devastou ancestralidades, o nosso país fala outra língua, se mantém de costas para a América Afrolatina, ajoelhado para os estadunidenses e olhando ao outro lado do Atlântico, não para o continente africano, mas para nossos algozes do norte, a zona mista do euro-franco-libra.
Visitante que fui dessa zona de desconforto, miro agora os arredores, nossas chamadas periferias, aquelas que lutam para manter raízes e crenças dos nossos e nossas mais velhos e mais velhas.
Circulo por Cuba, Venezuela, Chile, Argentina, Uruguay, Paraguay, e reservo tempo e recursos para me abraçar aos demais irmãos. Mas é na Colômbia que tenho feito meu ninho, plantado sementes de esperança, colhido frutos que alimentam utopias.
Na Colômbia comecei a participar do Parlamento Internacional de Escritores há seis anos, e na edição 2019 estive com Jovina Souza, Seliane Cunha, Valdecy Almeida, Cacau Novaes e Rita Pinheiro. E desse encontro, vieram outros: circulação em escolas de Cartagena de Índias, passagem pelo Festival Internacional de Poesia de Cartagena (organizado pelo poeta Martin Salas), este onde estive com Douglas de Almeida e Semírames Sé, ao qual tomaram assento recentemente Walter Cezar e Ametista Nunes, na estrada por onde já passaram Wesley Correia, Antônio Barreto, João Vanderlei de Moraes Filho e Damário Dacruz.
Fui apresentado à rota da poesia montemariana, um acontecimento muticultural criado em San Jacinto, a convite de Gonzalo Alvarino, um gigante da arte de conectar poetas. Em agosto passado nos apresentamos ali com recital, contação de história, show de bonecos etc, recepcionados por Neyil e Jeidivis Reyes, da Ecléctica, bem como pelo músico Robert Landero em sua Fundação Andrés Landero, onde além de música e história, se tem contato com pratos típicos e históricos da culinária sanjacintera.
Um dos responsáveis pelo intercâmbo é a Experiência Ecléctica ou simplesmente “Ecléctica”, centro de cultura e artes, resultado do empreendimento cultural Cerro Maco Café, o café literário dos Montes de María. Por meio da comercialização de café orgânico e cacau cultivado na região e seus derivados, o grupo canaliza recursos para o desenvolvimento sustentável das artes na comunidade de San Jacinto e nos demais municípios da região Montemariana.
O coletivo foi fundado por Neil Reyes Anillo, 49 anos, poeta e gerente de arte, natural de San Jacinto, Bolívar, na Colômbia, com a ajuda de sua esposa Jaidivis Mora, 27 anos, natural de Carmen, Bolívar. Ambos lideram o projeto cultural que tem raízes no passado artístico de Neyil e na luta travada no exílio forçado pela violência que imperava na cidade há vinte anos.
A Ecléctica é o primeiro teatro da região dos Montes de María, que oferece oficinas de arte dramática, fantoches e dança contemporânea. O centro cultural também oferece fóruns de filmes, recitais de poesia, oficinas de literatura criativa e bate papos em todas as áreas da arte, promovendo o ato criativo como um gatilho para a mudança social em uma região afetada pelo conflito armado há mais de 60 anos.
Nesse espaço pude experimentar uma verdadeira imersão na cultura da família cultural, participar de rodas de conversas, apresentações, oficinas, ouvir a classe artística visitante e os demais residentes, bem como fazer duas apresentações poéticas, regadas a muito afeto, trocas de experiências e “gestação” de novos projetos, individuais e coletivos, entre jovens, adultos, crianças e gestores culturais.
Esse mergulho na cultura da cidade só é possível pelo trabalho de parceria que existe entre os diversos atores sociais do campo das artes, como:
Rota da poesia - escritores e poetas nacionais e estrangeiros circulam nas universidades da costa colombiana com oficinas, recitais e conversas sobre sua produção e seu ato criativo;
RECUM: abreviação do renascimento cultural de Montes de María é o encontro com artistas e sua visão de mundo sobre violência e apostas para trocar com os jovens, tecido social da comunidade.
Conexões com outros atores do trabalho artístico:
Corporação contemporânea de teatro e dança Cerro Maco, Cerro Maco Café, Experiência Eclética, Rota do Ecoturismo nos caminhos da cumbia e do café, Rota da poesia, Experimente San Jacinto, Albergue ancestral en La Maya, Fundação Andrés Landero, Cacau de mulheres montemarianas, Festival Internacional de Poesia de Cartagena, Festival Internacional de Cumbia, Encontro internacional de escritores nos Montes de Maria, Sala de jantar cultural la Pava Congona.
PRIMEIRO TEATRO
A Cerro Maco começou em 2012 como uma empresa de café, para processamento agroindustrial e artesanal de café e cacau orgânico. Um ano depois, o teatro Ecléctica foi fundado, seguindo o trabalho já iniciado de 1982 até 1989 com outros companheiros de Neil na Biblioteca San Jacinto: o grupo de teatro Hamabarcas.
Tudo foi interrompido quando a violência teve seu rosto mais cru em 1989, e o grupo se desintegrou e Neyil, o co-coordenador, teve que fugir para salvar sua vida e seus sonhos. Depois de pouco mais de vinte anos, seu retorno em 2010 à sua cidade natal retomou o desejo de construir outra rota artística, não para esquecer seu passado, mas para ressignificá-lo e também dar sua contribuição para as gerações futuras.
O teatro que estava dormindo, acordou, mudando as trilhas, abrindo caminhos para outras expressões artísticas. E meninos e meninas, semeando esperanças, é o desafio, para quem a Eléctica oferece exercícios de teatro, escrita, marionetes, literatura criativa, dança contemporânea, áudio visual e música por meio de parceria com a Fundação Andrés Landero. Quase três mil alunos passaram por sua coordenação até o momento. Em uma cidade que quase perdeu sua capacidade de imaginar e sonhar, esses números mostram que a arte muda tudo, traz possibilidades de novos futuros e semeia esperanças no horizonte. E é isso que Neyil pensa: "Eu acho que o teatro, como todas as artes, tem o poder de transformar o ser humano e sensibilizar o relacionamento com o outro, e com seu ambiente, para nos tornar uma sociedade tolerante e criativa". E conclui: "O centro cultural Ecléctica oferece essa possibilidade com o grupo de artistas que nos acompanham e convidados de outros países, onde os jovens conhecem em primeira mão a experiência do ato criativo".
Assim, funcionando como o Farol Cultural de San Jacinto, a Ecléctica atrai artistas do mundo todo que estejam em busca de um lugar seguro, que respeite as diferenças, mas, também, aberto a trocas que reforcem a luta por respeito, diversidade, liberdade artística e de expressão. E é aqui que recarrego minhas baterias e para onde convido as/os brasileiras/os de todas as artes.
Experiência Ecléctica
Calle 22, 36-17
San Jacinto, Bolívar, Colômbia
Contacto +57 301 277 1331