A Vida servida em potinhos
Minha floresta é de edifícios, prédios e casas no lugar de árvores, plantas, bosques
Minhas veredas, picadas e caminhos agora são ruas, avenidas, praças e vielas
Meus rios, lagos, riachos, córregos, lagoas e mares são pontilhões de cimento sobre os veios de água, tampões de esgoto e bocas de lobo
Meu quintal e meu pomar, agora é uma grama sintética, um piso de ardósia ou de lajotas bem polidas, que tenho que lavar de quando em quando
Meu pé de laranja e todas as outras plantas frutíferas viraram prateleiras de supermercados. As árvores agora dão todas as frutas, o ano todo, enfileiradas em caixinhas lacradas, cujo conteúdo ninguém garante se é mesmo fruta, caldo inventado em laboratório, alimento ou veneno
Minha leira de tempero é um caixote com plantinhas amarradas por fitinhas de plástico, amassadas, esverdeadas pela falta de ar
Minhas plantas medicinais, meu Tioiô, minha Erva Cidreira, meu Capim Santo, meu Sanguin e minha Vassorinha, agora são imponentes farmácias, drogarias e expositores em mercados, onde compro tudo em pílulas, frascos, garrafas, lacrados e garantidos, com prazo de validade estampado na embalagem
Minhas abelhas são caminhões e carros zumbindo e levando e trazendo veneno em forma de comida para todos os pontos de venda
Minhas sementes de todas as plantas e mudas e brotos, se perdem nas infinidades de pacotinhos de produtos estéreis, os quais não têm nenhum poder de germinação, jamais nascerão em solo fértil ou infértil, para que minha autonomia e segurança alimentar esteja sob controle da indústria agropecuária
Minha galinha, porco, peixe, vaca, meu leite, ovos, toucinho, tudo agora é sintético, em pó, em pau e em pedra, que entopem meus rins, minam minhas imunidades biológicas
Agora posso ser transformado em holograma, não preciso mais respirar ar puro nem ter autonomia de pensamento e de expressão. Meu próximo filho ou filha ou filhe, vou direto numa lojinha da esquina, escolho cor de olho, sexualidade, posição política e religiosa, monto como se fosse um quebra-cabeças e, se eu me arrepender, desmonto tudo e jogo no lixo. Afinal, sempre haverá uma novidade no mercado e podemos descartar pedaços de gente quando e onde quisermos...
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 02/09/2020
Alterado em 12/09/2020