Minha mãe (não) morreu ontem...
...nem anteontem, nem tresantontem...
Todo dia minha mãe morre...
Sempre pela manhã, na hora do café
Todo dia, a falta do pó, do coador...
Ela chamando alto pra levantar...
"O sol vai passar por cima de vocês"...
"As galinhas já estão no terreiro"...
"O jegue já está comendo capim"...
E eu espreguiçando, querendo dengo,
e ela ativa, feito espuleta, na lida...
E cantando, e sorrindo, e chorando...
E lembrando da infância, e da mãe,
que morreu de parto, dela...
E eu no privilégio, sem valorizar,
sem entender a importância,
de cada puxada de orelha, cada chinelada...
E ela dizendo
"Um dia, quando meus males forem velhos, o de alguém é novo"...
E agora, toda manhã, sem o cheiro do café, sem a colher chacoalhando na panela de esmalte gasto,
eu sinto falta da chatice, das ranzinzices, das caduquices...
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 27/09/2020
Alterado em 28/09/2020