Valdeck Almeida de Jesus
O poeta da verdade!
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A feira que me fez

 

Quando nasci na cidade

Nem tudo era magia

Tinha fome e agonia

E muita necessidade

Era pouco o dinheiro

pouca festa de vaqueiro

 

E das poucas alegrias

Uma dela era sair

Era como eu fugir

Pra fazer estripulia

pra comprar sem ter dinheiro

e comer tudo ligeiro.

 

 

Minha festa era na feira

Que mamãe a visitava

Ela somente olhava

Era como uma freira

Em vida de monastério

Pra viver em um mistério

 

Eu alegre acompanhava

Com a maior alegria

para ver a cantoria

que ali ela cantava

pedia a muié e home

pra matar a nossa fome

 

 

O povo gritava forte

“Traz dinheiro e a vazia”

Chega logo minha fia

Esse era o grande mote

Moça bonita não paga

Mas também não leva nada

 

Era tudo encantamento

que a fome eu esquecia

e a barriga vazia

já não tinha mais lamento

me ligava na pegada

de palavra encantada

 

 

Em cada banca da feira

Minha mãe ia parando

E magia espalhando

De segunda a sexta-feira

E cantava sem parar

Pra nossa fome matar

 

De tudo um pouco pedia

e o povo ia doando

a sacola ia inchando

e eu nada entendia

eu brincava de esmolé

nas feiras de Jequié

 

 

Eu brincava de pedinte

Porque nada entendia

E ali me entretia

no meio daquele acinte

passando dificuldade

na feirinha da cidade

 

Jovenzinho fui a escola

outros mundo descobri

e os zoio eu abri

entendi que era esmola

e aquela situação

embrulhou meu coração

 

 

No meio daquelas letras

O cordel eu descobri

E então eu entendi

Que a vida é uma treta

E pra gente se safar

O melhor é estudar

 

Entendi que a cantoria

Mantinha nosso existir

Por isso sobrevivi

Da fome que me comia

Mas o estudo ia me dar

Mais força pra lutar

 

 

Minha mãe analfabeta

Sabia muito da vida

Fazendo da nossa lida

Todo dia uma festa

Feira era nossa escola

E o livro uma sacola

 

Vivia cantando versos

Para curar as feridas

Trazendo pra nossa lida

Os encantos do universo

Nos guiando para o bem

Neste mundo e no além

 

 

Nossa maior alegria

Era ter nossa comida

Pra alegrar a nossa vida

E nossa filosofia

E fazer a nossa dança

E encher a nossa pança

 

Na feira tinha de sobra

De afeto a carne ardida

Que servia de comida

E seguir a nossa obra

Construir nosso labor

Com carinho e amor

 

 

Na juventude passei

Trabalhar de vendedor

Louça, linha e prendedor

Foi aí que me virei

Trabalhando de feirante

Mudou tudo em um instante

 

Vendia de tudo um pouco

de panela a muamba

Em cima de uma caçamba

Parecia até um louco

No frio e no calor

Com labuta e amor

 

 

O prazer de ter comida

E o aluguel pagar

Me deixava a cantar

A agradecer à vida

Pela chama de alegria

Que o coração enchia

 

Eu vendia ali calçola,

Frigideira e talher

Roupa pa home e mulé

E a noite na escola

Me matava de estudar

Para a vida melhorar

 

 

Quando acabava a feira

Eu fazia a promoção

De panela e de calção

Era a xepa batedeira

Tudo a preço de banana

Ou de rolete de cana

 

Aqui eu tenho de tudo

É hora de promoção

De galinha a sabão

Tenho peixe do graúdo

Cinto, cueca e fivela

Para ele e para ela

 

 

Os cliente ali chegava

Começava a pechinchar

Para o preço eu abaixar

Muita coisa eles comprava

A dinheiro ou no fiado

No cadernin anotado

 

Quando tudo se acabava

Era pura alegria

Com cachaça e cantoria

A vida recomeçava

Comprar mais para vender

E para empreender

 

 

Era hora do escape

Outra viagem fazer

Para na vida vencer

Na caçamba de picape

Enfrentar nova friagem

Voltar vivo da viagem

 

Estender a lona preta

Para começar vender

E o freguês convencer

Eta por cima de eta

Era duro o dia a dia

Pra depois ter alegria

 

 

O corre-corre era duro

Pra depois ter alegria

E vencer na correria

De um jovem ainda puro

Com muita honestidade

Para viver na cidade

 

A mãe já não precisava

Levantar a sua mão

Pra pedir humilhação

Pois o filho trabalhava

Em casa tinha comida

Para sustentar a vida

 

 

Chegava tarde na escola

Se matando de estudar

Pra de manhã trabalhar

Para fugir da esmola

Nova lida peças praças

Para não comer de graça

 

Uma mãe e oito irmão

Mas a luta era uma só

E lutar sem muita dó

Pra alegrar o coração

Para ter a liberdade

De viver na honestidade

 

A feira me ensinou

A conviver e sonhar

Dormir pouco e levantar

E nunca me abalou

Acordar pra trabalhar

E a tudo conquistar

 

Hoje eu tenho saudade

E também a nostalgia

Do sorriso e alegria

Da minha tenra idade

Do vuco vuco da feira

Que me deu a estribeira

 

 

Por isso vivo vendendo

Mas não é mercadoria

Hoje vendo poesia

E o coração enchendo

De fé e muita magia

Nessa minha correria

 

Visito feira de livros

E também as bienais

Em todas as capitais

Pois ali é que me livro

De tudo que é tristeza

E melhoro a destreza

 

 

Nessas feiras tem poetas

Escritores e cantador

Onde vive o amor

Onde vive os atletas

Das palavra encantada

Das palavra abençoada

 

Feira é ponto de encontro

E também encruzilhada

De palavra espalhada

Vem gente de todo canto

Tem história misturada

De uma gente abençoada

 

 

Autor: Valdeck Almeida de Jesus é escritor e jornalista. Ativista cultural e Embaixador do Parlamento Internacional dos Escritores da Colômbia, membro fundador da União Baiana de Escritores - UBESC e do Fala Escritor (2009). Participa do grupo de pesquisa Rede ao Redor, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos - IHAC/UFBA.

Site: www.galinhapulando.com

Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 17/10/2024
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