Depoimento sobre “Os Sertões”, de Zé Celso

01 de outubro de 2007

Quando li o livro "Os Sertões", conheci muito do Brasil do qual não se fala muito; do país que vive no subterrâneo, nas veias e nas entranhas; do povo que constrói esta nação no seu dia-a-dia e de quem não se vê notícias nos jornais nem na TV.

Euclides da Cunha soube traduzir para o papel a emoção, a vida do sertanejo, sua luta e labuta à margem do sistema. Ele, o escritor, tinha não só a intenção de escrever, mas, mesmo, de denunciar a desigualdade social de uma população que sofria, e ainda sofre com o descaso do governo central (ou centralizador).

O espetáculo homônimo, dirigido por Zé Celso me transportou para um tempo de menino (época que li o livro) e me fez chorar de novo. Na leitura da literatura eu me emocionei com a luta, não somente a militar, mas a luta para resistir que o sertanejo travava todos os dias com a natureza indomável; a luta solitária, dele, sertanejo, com toda sorte de adversidade da terra ressequida e impiedosa; a batalha solitária e inglória, que levava o homem a virar pó antes mesmo de morrer, pela fome e pela miséria que o Brasil fingia não ver.

"Os Sertões", encenado com sangue e dor, em que a platéia era convidada e/ou forçada a ver e a participar ativamente da história vivida no palco, me trouxe de volta à vida. Conseguiu ressuscitar na minha alma esfrangalhada pela mídia seletivista e pela cegueira conveniente a vontade de mudança e a fé na minha força interior para realizar a transformação.

É indizível a sensação que tive, ou a multiplicidade de sensações que vivi no palco e na platéia. Incomensurável a torrente de dor e alegria que experimentei enquanto comia melancia pisoteada, como um esfomeado, ensandecido pelo veneno inoculado pela arte irreverente de Zé Celso.

Lágrimas não foram poupadas. Nem senti vergonha de assumir minha mesquinhez e pobreza cultural quando vi a República, em carne e osso, em minha frente, me dizendo que eu não passava de apenas um ignorante e egoísta 'brasileiro', com "b" minúsculo, que serve de joguete nas mãos dos políticos desse país de merda.

Depois de ter engolido, respirado e implantado em minha alma os dois atos da saga (Luta 1 e Luta 2), pude sentir orgulho de estar vivo para poder mudar o destino, talvez não da nação brasilis, mas o meu próprio: sairei da posição de simples expectador da tragédia do Brasil, para a posição de construtor de uma nova consciência política, comprometida com a igualdade, solidariedade e compromisso com o social.